terça-feira, 11 de dezembro de 2018


São Paulo. 16/09/06 - Visita a Catedral Basílica Santuário de Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Fica no município paulista de Aparecida. Diz um folding  que é maior templo católico do Brasil e o segundo do mundo.  Ocupa mais de 143m² de área construída. É a terceira igreja a abrigar a santa desde a sua aparição. O Santuário é administrado pelos Missionários Redentoristas da Congregação do Santíssimo Redentor. É visitado por mais de 12 milhões de romeiros, por ano, de todas as partes do mundo.
O projeto é do arquiteto Benedito Calixto. Tem  a forma de cruz grega. Estilo: neoromânico. Tem uma passarela chamado de "Passarela da Fé", que a liga a antiga basílica, também a visitação de turistas e crentes.  Extensão: 395m que alguns fieis atravessam de joelhos. Ato de consagração: 4 de julho de 1980, pelo papa João Paulo II. Já foi visitada por três papas: João Paulo II, Bento XVI e  o  atual, Francisco. Já recebeu a Rosa de Ouro três vezes. A última foi pelas mãos de Francisco, comemorando os 300 anos do aparecimento da Santa. A rosa de Ouro é a mais antiga condecoração papal.
Saindo, agora, das informações turísticas vem a emoção de um quase descrente diante de tanta grandeza, mas também de tanta fé. O que é isso? Toda essa grandeza para abrigar uma santinha de poucos centímetros de altura, pousada num nicho inatingível. Negra. (Ela era realmente negra? Senão porque representá-la, assim?)
Havia muita gente. E nem era um dia especial. Quando chegamos, estava sendo rezada uma missa. O som desses cantos católicos vibrando dentro das naves dessas igrejas, também vibram dentro de mim. As vezes me dá até vontade de chorar. Catarse? A cara das pessoas que religiosamente crêem também mexe comigo. O que representa aquela pequenina imagem para essas pessoas? Muitas daquelas caras são brancas e talvez até preconceituosas. Mas, ali, só existe fervor. As vezes, nem conhecem a sua história apenas seguem a multidão se ajoelhando, suplicando, implorando uma graça qualquer. Eu? Permaneci em silêncio porque não sei nem rezar e sendo só - não pergunto, como Donne, "por quem os sinos dobram", mas quem rezará por mim, se isso for, realmente, necessário?


segunda-feira, 26 de novembro de 2018


São Paulo. 16/9/06 - Visita a casa de verão do governador paulista, que fica no Alto da Boa Vista, cidade de Campos do Jordão, na Serra da Mantiqueira. Campos do Jordão fica a 173km de São Paulo. A casa/palácio foi mandada construir pelo então governador de São Paulo Adhemar de Barros (1901/1969). Adhemar governou São Paulo duas vezes, de 1947 a 1951 e 1963 a 1966. A casa tem a forma de um castelo. Estilo Tudor, diz o guia. O arquiteto foi Georg Przyrembel.
Dentro, é uma mistura de tudo. Parece um antiquário: móveis, louças, cristais, prataria, lustres de vários estilos e origens. Muitos quadros originais de pintores brasileiros. Principalmente dos modernistas: Malfati, Tarcila (Os operários), Di Cavalcanti, Portinari, Guignard, Di Cavalcanati, Djanira, Rego Monteiro... Diz ter 105 cômodos e cerca de 1800 obras de arte.  No último quarto, a grande cama mandada confeccionar especialmente para adormecer o enorme corpo do General De Gaule (2m20cm), quando de sua visita ao Brasil, em 1964.
Ao lado do castelo há uma capela moderníssima. O folding diz que o arquiteto foi Paulo Mendes da Rocha. E que foi construída sobre um único pilar. É dedicada a São Pedro Apostolo. Mas há uma escultura de São Francisco em ferro vazado. Sozinho. Rodeado de bancos de madeira envernizada. As paredes são de vidro, deixando ver a paisagem montanhosa ao redor. A Serra da Mantiqueira. Cujo nome me fez lembrar a seresta de Ary Kerner Veiga de Castro, gravada por Gastão Formenti, em 1932:
Na serra da Mantiqueira
Sob a fronde da mangueira
Que ela em moça viu plantar
Sentadinha no seu banco
Cruzando o cabelo branco
Mãe Maria vai sonhar...


quinta-feira, 8 de novembro de 2018


22/02/08 - Visita a Gruta de Ubajara - Ubajara é um município cearense situado na Serra da Ibiapaba ou Serra Grande, a 304 km de Fortaleza. Tem uma área de 421 km. Numa altitude de 847m. Gentílico: ubajarense. Um de seus articulistas diz que o nome é de origem tupi e quer dizer: dona da canoa (ubá=canoa e iara=senhora).
 Sua principal atração é a Gruta de Ubajara, situada no Parque Nacional de Ubajara, criado em 1959. Fica a 3km da sede do município. O Parque tem por atração: trilhas, cachoeiras e onze cavernas. O acesso a gruta que se visita é feito por um teleférico e acompanhada por monitores. Trezentas pessoas por dia e doze de cada vez. A Gruta tem 1.200m de extensão numa depressão de 535m. O bondinho vai até setenta e cinco metros de profundidade. O terreno é muito irregular, escorregadio, as vezes, e um pouco sufocante. É escura. Os monitores usam refletores que focalizados sobre as formações rochosas desenham formas e tonalidades de  estranha beleza.
É pena que a propaganda sobre turismo no Ceará se concentre mais  nas praias, quando o estado possui um interior tão diversificado e particularmente bonito. E temperaturas que em certas épocas do ano lembram as das regiões sulistas. Como amazônida, um dos aspectos climáticos que mais me chama atenção é - o vento. Sob um sol escaldante encontrar uma sombra é ter a certeza de uma onda de aragem te refrescará. Ou invocar Caymmi:
"Vento que dá na vela
Vela que leva o barco
Barco que leva a gente
Gente que leva o peixe
Peixe que dá dinheiro, Curimã".

quinta-feira, 18 de outubro de 2018


9/7/1987 – Viagem: Fortaleza, Belém, Amapá, Belém, O trecho Belém a Macapá, de ida, foi de navio a volta de avião. Macapá é um município brasileiro, capital do estado do Amapá. Situa-se no sudeste do estado e é a única capital estadual brasileira que não possui interligação por rodovia a outras capitais. 
Saímos de Belém para Macapá, a meia noite do dia 9. Chegamos dia 11. Vinte e nove horas de viagem, pelo Rio Amazonas, cruzando a oceânica baía de Marajó, se enredando pelos curiosos estreitos de Breves. Nas curvas dos paranás, o navio apita uma ou duas vezes, avisando que vai para este ou oeste. As crianças se aproximam do navio, em suas canoas, a espera de que lhes joguem alguma coisa: comida ou roupa ou brinquedo. É de se ver a perícia da necessidade.
A ausência de eletricidade é suprida por uma enorme lua cheia sobre a mata e o rio. De vez em quando, nas margens "bruxo-leia" a chama de um farol, com lembranças de olhos de cobra-grande. E a grande e profunda solidão do espaço plantado e inundado. O aparente repleto do nada.
As atrações de Macapá são: as praias, o Forte de São José (onde um grupo de teatro já encenou a Paixão e então  ensaiava a Loucura de Artaud) Um  dos principais pontos turísticos é:  o Marco Zero, um grande relógio de sol construído para indicar o local por onde passa a Linha do Equador, que divide a superfície terrestre, de forma imaginária, em dois hemisférios, o  momento exato da ocorrência do equinócio, quando os raios de sol, de forma aparente, incidem exatamente sobre a Linha do Equador. Viagem inesquecível.

quinta-feira, 11 de outubro de 2018



25/08/10 - 4ª feira: City tour: orla marítima (a avenida litorânea tem seis quilômetros); Centro histórico: Praça dos Leões, palácio de La Ravardière, Praça Pedro II, Igreja da Sé, beco e ladeiras, Projeto Reviver. Almoço.
O evento está se realizando no Hotel Poti. Palestra e depois uma apresentação de Tambor de Creola e Boi Bumbá. Informações:
Natural de São Luis: saoluisense.
Fundação da cidade de São Luis: 1612;
A Ilha mede: 805km²
População: 1.000.000hab
A Ilha de São Luis tem quatro cidades: São Luis, Raposa, Paço do Lumiar e São José de Ribamar. As três cidades: 1.300.000hb.
  
26/o8/10 - 5ª feira: Um passeio sempre agradável: Alcântara. Alcântara pode ser alcançada por terra e por mar. Já estive lá umas três vezes, todas de barco, atravessando a Baia de São Marcos, ora serena ora revolta. Alcântara é um município da Região Metropolitana de São Luís, no estado do Maranhão. Área:  1457,96 km². A zona do atual município era habitada por índios tupinambás, numa aldeia chamada Tapuitapera. Fundação: 22 de dezembro de 1648. Distância até a capital: 30 km
O desembarque é no Porto do Jacaré. Sobe-se até o centro da cidade, por calçamento rústico, até a Praça, onde está a ruína da Matriz de São Matias e o antigo Pelourinho. Ao redor, sobrados coloniais revestidos de azulejos portugueses. A Cadeia e Museu, século XVIII.
Mais adiante, as ruínas do Palácio Negro, antigo mercado de escravos. Ruínas das casas que disputavam a hospedagem do Imperador, que por isso mesmo desistiu da visita a Alcântara, dizem os guias. Rua da Amargura. 
Visita a Casa de Cultura Aeroespacial, onde militares mostram vídeos das atividades da Base de Alcântara. Fotos de foguetes e outros artefatos aeroespaciais. Indumentária. Uma réplica da Sonda 4 (foguete de testes).
Fora essa demonstração de modernidade, Alcântara nos faz mergulhar num passado de vários séculos. E, quase inacreditável, dada a distância da Ilha de São Luis, que tenha tido um passado tão rico, conforme se vê nas ruínas de casas de barões e altos comerciantes. Numa de suas igrejas, o guia mostra o púpito em que pregava o Padre Antônio Vieira.
Vale uma visita.

quarta-feira, 3 de outubro de 2018


Há quarenta anos esta noite - VII 

Creio que a mais popular invenção do século XX  – foi o cinema. Foi por meio dele que recebemos ou popularizamos o famoso “american way of  life”, isto é, boas e más influências, por exemplo:
moda: tênis, calça jeans, camisas de malha...;
alimentação: coca cola, hamburger, saladas...;
habitação: edifício, apartamento, elevador...;
transporte: carro (automóvel), motos...;
música: fox, swing, baladas, jazz...;
 idioma inglês: é só dar uma volta pelas ruas de nossas capitais e ler o nome de seus estabelecimentos... e a moeda? Ah! o dólar.
Eu recebi. "Gosto que me enrosco" de sanduíches, de calças jeans (ou assemelhadas), de camisa de malha, de tênis, da música americana e do cinema, então? Pena que a idade não me permita mais acompanhar os lançamentos como o fazia, antes. E não tenha estudado bem o inglês para ler seus autores no original. Grande literatura. E que bela língua! E em vez de ler, ver os filmes. Quanto dos filmes perdemos enquanto lemos as legendas.
Quando mudei para Fortaleza, a cidade era bem servida de cinemas. E boas salas. No Centro, havia o São Luis, o Diogo, o Fortaleza, o Cine-Art e os poeiras: Jangada e Old Metrópole;  no Center Um, primeiro shopping da cidade, havia o Gazeta, onde sexta-feira a noite e sábado de manhã passavam filmes de arte. Havia ainda as salas alternativas: Casa Amarela e Casa de Cultura Alemã. Frequentei-os com assiduidade.
Hoje, os cinemas mudaram de espaço, estão todos nos shoppings que se multiplicam pela cidade. No Centro resta apenas o São Luis, restaurado com os esplendores que merece. Primeiro, como um marco histórico e exemplar típico de uma época; segundo, como única sala de eventos, no centro; terceiro, deveria ser o ponto de partida para a tão discutida recuperação do centro da cidade.  
Sou frequentador de shoppings, mas vou pouco ao cinema. Porque? Pela falta das sessões contínuas. Não posso entrar no cinema com o filme começado e terminar de vê-lo na sessão seguinte. Fazer várias coisas e ver o filme no tempo que eu determinar.  Ver um filme, agora, é um programa e não uma rotina cultural, como antes.
Quem mais deve  estranhar a nova moda, são aqueles que depois do trabalho, entravam no cinema para esperar que a hora do aperto passasse para pegar um bom lugar no ônibus; ou dos namorados, que iam ao cinema por duas serventias: namorar e passar o tempo para ir para casa. No verão, então, era uma delícia: o ar refrigerado, o escurinho da sala e o aconchego dos corpos. Ah! tempos.

sexta-feira, 21 de setembro de 2018


Há quarenta anos esta noite - VI

Gosto muito de ler. Era então natural que uma das primeiras coisas que procurasse na cidade fosse, livrarias. Qual não foi a minha decepção ao ver que só existiam duas: a “Livro Técnico”, na Praça do Ferreira e a “Renascença”, na Rua Major Facundo. Ambas no centro da cidade. Hoje, desaparecidas. Havia muitas livrarias de livros escolares. Mas livrarias para leitores de literatura mesmo, só essas duas.
Comecei, então a frequenta-las. Aí, vi que os estoques pouco se renovavam. Como comprava semanalmente o Jornal do Brasil e o Correio da Manhã, do Rio; e a Folha, de São Paulo, nas Bancas de Jornais da Praça do Ferreira e lendo os seus suplementos literários de sábados e domingos, estava sempre atualizado no que se publicava. Mas demoravam a chegar aqui ou vinham apenas dois ou três exemplares. Alguns já reservados aos figurões locais. Apelava, então para os meus amigos no Rio ou São Paulo.
Algum tempo depois, inaugurou-se a Moderna, na Aldeota, próxima ao Center Um. O gerente, Ari, era o mesmo que me atendia na Livro Técnico, da Praça do Ferreira. Estava protegido. Ia lá semanalmente. Fechou. A Nobel, na Dom Luís, também não demorou muito. Com a inauguração do Iguatemi foi inaugurada também a Siciliano, que perdura até hoje. Agora comprada (?) pela Saraiva. A única coisa que mudou foi o maior acervo de livros de direito da Saraiva. No mais, continua a preferência da Siciliano por best-sellers e auto-estima.
Hoje, a cidade está muito bem suprida de livrarias. Existem vários shoppings e cada um deles tem uma livraria, como: a Saraiva no Iguatemi e North Shopping, a Leitura no Del Paseo e no Rio Mar. Fora dos shoppings, existem a Nobel e a melhor de todas: a Cultura. Cito essas porque são as que mais frequento. Mas deve haver outras, pois me parece que o cearense está lendo muito mais agora do que quando cheguei aqui. Um dos grandes chamariz é o lançamento de livros de blogueiros e de padres católicos, nos shoppings. Superlotam. Antes pouco do que nada.

quarta-feira, 5 de setembro de 2018


Há quarenta anos esta noite - V
Um dos aspectos da mudança ao qual tive mais atenção – foi a linguagem. Como já tinha uma certa deficiência auditiva, quando cheguei aqui, tive que redobrar a minha atenção ao ouvir os cearenses. Como falam rápido. E como acontece em qualquer região do Brasil teem um dialeto, com vocabulário, expressões, gestual e musicalidade, próprias.
Mesmo quando viajo gosto muito de prestar atenção a maneira de falar de meus conterrâneos. Como, por exemplo, os pequitititos diminutivos dos amazonenses ou o som da vogal “o” quase sempre transformada em “u”; ou a indicação: “ali”, sempre transformada em “ali bem”, pronunciada com um leve espichar do lábio inferior. O “uai sô”, dos mineiros; ou os “barbaridad tchê”, dos gaúchos; o “r” dobrado dos caipiras paulistas: porrta, corrda; ou os excessos de “ss” dos cariocas. Sem malicia, só o prazer da diversidade.
Em Fortaleza, anotei algumas palavras típicas ou usadas de maneira particular, que hoje, em virtude talvez da televisão e da grande mobilidade das populações, não existem mais. Quando cheguei aqui ouvia me perguntarem: “que hora é essa”, para, que horas são?; “diga aí”, para o que é que há? “Acochar”, para apertar; “rebolar” para jogar fora; “brechar” para espiar. As palavras: mulher, filho, velho, sempre em corruptela: muié, fio, fia, véia, véio. Isso até em pessoas de boa escolaridade.  Muitas das expressões maliciosas desapareceram, como: “pai d´egua”, “arre égua”,” baitola”. Costumam, ainda, comer os “ss” e “rr” finais das palavras ou trocar o para, por “pa”.
Não tenho nenhuma pretensão de crítica, pois não tenho credenciais gramaticais ou lingüísticas, para tal. Mesmo porque essas especificidades se verificam em todas as regiões. Em algumas nos identificamos nacionalmente, como nos: “marmenino”, “mermo assim” e outras que não me ocorrem agora e não vem ao caso.
O que mais me chamou atenção, quando cheguei aqui, foi o apodo de Zé. Era seu Zé pra cá e seu Zé pra lá e eu fazendo força para engolir em seco o tal de Zé, que não queria em mim.
- Seo, Zé, me dê uns trocadin.
- Seo,Zé, me dê umas foia de mamoero.
Eu que tivera tanto trabalho para ser chamado pelo meu pré nome, de que tanto gosto, ver-me de repente transformado num Zé qualquer. Mas foi coisa de instante e ontem como hoje continuo a ser o Alberto de sempre. "Garra a Deus!”, como dizia uma de minhas tias afim.
Mas foi justamente esse Zé, continuado ou não, que me chamou atenção para a minha nova condição de, embora nacional, migrante. E me impreguinou de tal forma que hoje me pareço um amazonense meio carioquisado e ciarensisado: nortista, sudestino, nordestino. Arre égua, macho velho!

sexta-feira, 24 de agosto de 2018



Há quarenta anos esta noite - IV

Creio que, então, um dos serviços mais precários da cidade, era o transporte. As linhas de ônibus me pareciam mal distribuídas. As vezes, tínhamos que andar cinco quarteirões para tomar uma condução. O serviço noturno era mais precário ainda. Taxi  era caro e os ônibus paravam praticamente as vinte horas, depois só o "corujão" a meia noite. Nesse setor, também tivemos que nos adaptar. No Rio, os ônibus são identificados normalmente pelo número, embora tenham nome. Aqui, é sempre pelo nome, embora tenham número, também. “Vais tomar o Jovita?” “Não, vou de Rodolfo Teófilo.”.
Por isso, tentei me motorizar. A distância dos mercados, das feiras, dos divertimentos, me levou a comprar um carro. Mas decididamente não nasci com o espírito de Senna ou Massa. Chegar em casa de madrugada e ter que estacionar o carro, abrir a porta do carro, sair e fechar; abrir o portão, abrir e fechar novamente a porta do carro para colocá-lo na garage; sair outra vez do carro e fechar o portão; trancar o carro e abrir e fechar a porta de casa. Não. Decididamente, não. Vendi o Fiat... E foi quando, a meu favor, apareceu o serviço de central de taxis: Rádio Taxi. Basta um telefonema e lá veem eles com o número de portas que eu desejar e como na marchinha de carnaval, até: “com ar refrigerado para os dias de calor”. Assim tenho, até hoje, cerca de quatrocentos carros, com mesmo número de motoristas, a minha disposição, a tempo e hora.
Também nesse setor Fortaleza progrediu muito: foi instituído o Bilhete único, a instalação de binários, passarelas, bicicletas compartilhadas, carro elétrico compartilhado, faixas exclusivos para ônibus,  linha de metrô entre Fortaleza e Paracuru; de VLT entre Fortaleza e Caucaia... existem várias centrais de taxi: Rádio Taxi, 99, Uber, Rodotaxi, Capital...o pagamento pode  ser feito a dinheiro ou cartão de crédito. Pode ser chamado na hora ou agendado. Até pedi para ser acordado de madrugada, por exemplo, para não perder a hora da viagem.
Creio que a mobilidade urbana seja um dos problemas mais difíceis de serem resolvidos em Fortaleza. Não será alargando ruas ou avenidas, construindo túneis ou viadutos que ele será resolvido, quando se sabe que entram na cidade cerca de três mil novos carros por mês e as "carroças", como diria o Collor, não são retiradas do tráfego. Creio, porém, que esse não é um problema daqui, mas de todas as grandes cidades. Carro como status. E dizem que Fortaleza é uma das capitais do país com mais carros importados.

domingo, 12 de agosto de 2018


Há quarenta anos esta noite - III

Toda vez que se invoca o nordeste, pensa-se logo, em seca. Quando cheguei aqui, ouvia falar até de “indústria da seca”. Promessas eleitoreiras não cumpridas, desvios de verbas públicas para bolsos particulares, esmoleres aos “magotes” pelas ruas. Estes, na verdade, chegavam a incomodar. Certa vez, ouvi alguém dizer: se eu for dar esmola a todos que me pedem vou ter que pedir também para voltar para casa. Morando em casa, era quase necessário ter uma pessoa exclusiva para atender aos pedintes ou despachá-los.
Foi por causa de água que quase não me fixei aqui. A primeira casa que aluguei tinha água de poço. Não sabia lidar com as tais bombas. A da casa recém alugada quebrava mais do que funcionava. E eu não dava trégua a meu primo Eduardo. “Eduardo, a bomba quebrou. Me arranja um bombeiro”. E lá vinha ele com um especialista, contratado no centro da cidade. Eles ficavam a espera de trabalho, geralmente, na esquina da Rua São Paulo com Barão do Rio Branco.
Até que rescindi o contrato de aluguel e mudei para uma casa recém construída, com água encanada. Respirei. Eram poucas as ruas de bairros que tinham água encanada (Cagece). E muitas pessoas não confiavam nos serviços da empresa. Preferiam água de poço, cuja água diziam ser pura. Havia, então, os chafarizes. Os moradores mais abastados contratavam pessoas para entrarem nas filas de madrugada para recolherem água, de manhã cedo. Eles as recolhiam geralmente em latas de querosene, que eram também uma medida de valor.
Todas as casas tinham poço, cuja água os moradores usavam para os serviços de casa. A água para beber era a do poço público.  Perto da minha casa havia um chafariz, na chamada Pracinha, na Rua Érico Mota, atrás do colégio Monsenhor Linhares. O horário ia de seis as dez horas da manhã. O carregadores cobravam cinquenta centavos do cruzeiro para levá-las até em casa. Havia também terrenos particulares com poços de água pura que os proprietários vendiam.
Diziam que havia lugares na cidade que só tinha água de poço.  No sítio de meu amigo Estrigas, no Mondubim, a uns doze quilômetros de distância do centro da cidade, ainda era assim. Consultando um site da cidade de Fortaleza, li que a cidade, na época, não tinha cinquenta por cento de água encanada. É o tipo de obra que além de perturbar o cotidiano da cidade, não dá visibilidade aos políticos. Fica, então, só em projeto. Promessa do candidato a governador ou prefeito na próxima eleição. E o eleitor que acredite e vote ou troque  o voto por um simples favorzinho. “E la nave..."

sexta-feira, 20 de julho de 2018


Há  quarenta anos esta noite - II      

A mudança não foi fácil. Principalmente para minha mãe e minha irmã. Morávamos na Rua Djalma Ulrich, em Copacabana, onde tínhamos de tudo: amigos, parentes, serviços, diversão, em cada quarteirão... e de repente mudar para a Avenida Jovita Feitosa, na Parquelândia, recém asfaltada e com plantações no meio fio que não sabia se iam vingar sob tanto sol ardente e ventos fortes. Na avenida, na época, não havia uma casa de comércio. Foi fogo! Mas com a ajuda dos parentes tudo se arranjou.
Tivemos que nos reeducar em algumas coisas já esquecidas e nos adaptarmos em outras. A alimentação foi uma delas. Há quarenta anos as feiras de Fortaleza ofereciam somente o mais trivial, em matéria de hortaliças. Oriundos do norte, onde não usávamos muito essa forma de alimento, facilmente nos adaptamos a eles quando mudamos para o Rio de Janeiro. Aqui, voltamos a nos privar de espinafre, couve-flor, jiló (uma das preferências de minha mãe), chuchu, abobrinha, beterraba, beringela, batata baroa... Hoje, tem tudo isso e muito mais.
Eu tive que aprender a fazer compras de casa. Supermercado, por exemplo. O rancho, que aqui dizem fazer o "mercantil". Ir a feira, outra aprendizagem. Procurei fazer amizade com os feirantes, falando-lhes francamente da minha inexperiência e eles foram muito simpáticos. Me ensinaram a escolher o peixe (o brilho dos olhos, a cor da guelra; a apalpar as frutas sem machucá-las...). Fiquei mestre e fiz amigos. Hoje, sou um dos grandes apreciadores das feiras livres  e dos grandes super mercados. Embora só faça esses, atualmente.
Nota - Ainda existem feiras, mas a novidade dos supermercados as substituíram em quase tudo: Éxtra,  Carrefour, Cometa, Pão de Açúcar, São Luís, G. Barbosa, Assaí...praticamente existe pelo menos um em cada bairro da cidade.

terça-feira, 10 de julho de 2018


 Há quarenta anos esta noite - I

(O título é parecido com o do filme de Louis Malle: "Le feu follet",  de 1963, que recebeu no Brasil o apelido de "Trinta anos esta noite". E do livro de Paulo Francis, intitulado, "Trinta anos esta noite ou O que vi e vivi". O filme conta a história de um homem atormentado em busca de si mesmo, muito bem interpretado por Allan Delon. Aqui, porém, não se falará de um ser tão atormentado mas com certeza de um pouco do que vi e vivi nesta cidade, nestes últimos quarenta anos).
 No dia 6/07/1978 – Tomei um avião da Cruzeiro do Sul, no Aeroporto do Galeão Rio de Janeiro, voo de 15h30min, com destino a Fortaleza, Ceará, onde cheguei as 20h10min. Tomei um táxi e vim para a casa de  Maria Anunciada, viuva de meu tio Epitácio, na rua Silva Paulet, nº 650, onde já estavam hospedadas Tia Coló e Maria.
Tentava conter a emoção. Afinal, eram trinta anos de Rio de Janeiro, que estava deixando para trás. Quando mudei para o Rio, em 1948, era todo excitação. Tinha vinte e sete para vinte e oito anos. Estava, agora, as vésperas de cinquenta e oito. O estado de espírito era outro. Me adaptaria?
Estava me aposentando e resolvi mudar-me para uma cidade menor, que já conhecesse e tivesse relações de amizade ou parentes. A escolha estava entre Manaus e Fortaleza. No início do ano, pedi a Tia Coló e Maria que passassem uma temporada nessas duas cidades e decidissem em qual das duas prefeririam morar, uma vez que já tinham decidido que me acompanhariam. Assim foi feito.
Em junho, recebi um telefonema de Maria, de Fortaleza, dizendo que eu poderia preparar a mudança para essa cidade. Elas não voltariam. Ficariam a minha espera. Para me certificar fiz uma rápida viagem a Fortaleza. Confirmada a escolha, pedi a Eduardo que nos alugasse uma casa, pequena, confortável e se possível com quintal. Estava farto de apartamento.
Ficamos hospedados na casa de Anunciada até a chegada da mudança e limpeza da casa que José Eduardo  alugara para nós: Avenida Jovita Feitosa, nº 2334, Parquelândia. A casa era muito grande para três pessoas idosas, muito simples e de tão poucos trastes. Tinha sala, três quartos, sala de refeições, cozinha e quarto de empregada. A lavanderia era fora. Era um verdadeiro festival de cores: amarelo, azul, verde, rosa, e preto. Providenciei uma nova pintura: tudo gelo ou areia. Não suportaria tanta alegria vinte e quatro horas por dia.
Nessas casas antigas, as salas de refeições são sempre muito grandes. Maiores do que as outras dependências, principalmente em relação aos quartos. Quase sempre pequenos e estreitos. Difícil caber folgado cama e guarda-roupa. Ainda o hábito de dormir em rede e guardar as roupas em malas ou baús? E as salas de refeições tão grandes? Para reunir em torno das compridas mesas a família numerosa, os parentes, os hóspedes e os aderentes? Pronta a limpeza, mudamos.          
As razões da mudança? Estava me aposentando e não queria continuar trabalhando, pelo menos no que vinha fazendo. Se ficasse no Rio de Janeiro não poderia rejeitar as propostas que me tinham sido feitas. Devia muito a algumas dessas pessoas, mas resolvi seguir a mim mesmo, dai por diante. Estender a minha disponibilidade que era parcial a total. Estava com cinquenta e oito anos e trabalhava desde os doze – quarenta e seis anos. Acreditava ter direito de entrar para a confraria dos vagabundos remunerados, os aposentados. Sem remorso.
Nota - quando me mudei de Manaus para o Rio de Janeiro, em 1948, viajei também, num avião da Cruzeiro do Sul. O comissário, muito meu amigo, prognosticou que eu não aguentaria seis meses. Fiquei trinta anos, por escolha e prazer. E agora? Quantos?

sexta-feira, 29 de junho de 2018


Fantasia ou realismo mágico?

A fazenda ficava entre Manaus e Itacoatiara, distrito de Amatari, como já disse. De lá, diziam ver, de noite, navios iluminados aparecerem na foz do rio Madeira. E essa imagem era associada a Cobra-Grande. Boiúna. Lembro-me de um menino que fazia xixi na rede todas as noites, e todas as manhãs prometiam entregar-lhe a Boiúna, se ele não se corrigisse. Cheio de medo aí é que ele fazia. E o pobre apanhava.
 Essas ameaças eram sempre associadas ao Matinta Perera, uma espécie de Saci de duas pernas; ao Curupira, com os pés voltados para trás; ao Mapinguari, cuja invencibilidade estava no umbigo ou a M´boitatá, a cobra de fogo. Fogo fátuo? Esses eram os bichos papões do lugar.
Havia ainda as histórias de botos, seduzindo donzelas e de Iaras encantando rapazes. Os mais bonitos ou bonitas, que a lenda despreza os feios. Os feios são sempre maus: os bonitos sempre bons. Ai de mim! Mas esses eram assuntos para gente grande. Principalmente quando se sabia do nascimento de algum filho de boto. Sonhar a beira dos barrancos, tomar banho de rio, nua, passear de canoa em lagos e igarapés eram álibis perfeitos para o aparecimento súbito de uma barriga grande em qualquer moça.
Lembro-me de tia Raimunda (que não merecia esse nome e em boa hora lhe arranjaram o apelido de Miminha), tia Miminha, passeando de mãos dadas comigo, em frente a casa, me contando que certa vez ouvira o canto da Iara, bem ali, deslizando pelo rio. E entoava os cânticos sem palavras, que sem eu saber me enchiam de melancolia.
Essas e outras histórias, essas e outras personagens, não são lendas, não são mentiras, na vida do amazônida. São verdades de um povo cuja vida é comandada pelo rio e pela floresta. Histórias de caboclos. Não confundir com índios. Esses pertencem a outro seguimento do mesmo espaço. Esse é o meu: "negro da terra".

terça-feira, 5 de junho de 2018


Educação

Tia Isaura servia de professora as crianças que circundavam a casa: filhos dos trabalhadores e sobrinhos. De ambos os sexos. Meus avós mal sabiam assinar os nomes, mas construíram um grande patrimônio, que os filhos alfabetizados, não quiseram ou souberam cuidar. Não lembro de ter participado regularmente de suas aulas, mas com certeza me alfabetizei vendo e ouvindo o bê-a-bá ensinado aos outros. Pois quando fui para cidade já sabia ler.
 O ensino era cantado. Os livros eram a cartilha e a taboada. Havia também um caderno de caligrafia. Todas as letras dos adultos se pareciam. Tia Isaura não era formada e como constatei mais tarde, era apenas alfabetizada. Mas representou um grande papel: ensinou a ler e escrever a muita gente. O depois era com cada um.
O método usado era leitura em voz alta, ditado e cópia. A taboada era tomada com os alunos de pé em círculo. Havia castigo: a palmatória. Quem respondesse errado levava bolo. Os erros de texto eram reescritos até acertar.
Ela não falava, gritava. De longe podia-se ouvir seus gritos: um mais um; seis vezes quatro; oito menos cinco... Embora eu ficasse isento de tudo: exercícios e castigos, na hora da taboada eu tremia de medo, ouvindo o estalido da palmatória nas mãos dos meninos. Resultado: ignoro as famosas quatro operações até hoje. A leitura, o ditado e a cópia eu tirava de letra. Sem obrigatoriedade, é claro. Eu era um espécie de senhorzinho. Só fazia o que queria. Deu nisso.
Entre Manaus e Itacoatiara, havia um simulacro de escola pública, num lugar chamado Colônia, onde também havia uma Agência de Correio, cuja representante era uma senhora chamada Zinha, mulher de meu tio Rogério. Mas era muito longe. O transporte, é claro, era canoa. Levava algumas horas de viagem da fazenda até lá. Educação era supérfluo ou luxo. Mudou muito?

sexta-feira, 18 de maio de 2018


O que comiam?

Embora a cozinha amazonense seja a base de peixe, na fazenda comia-se muita carne. De boi, porco, galinha e alguma caça. Sempre ouvia dizer que carne rendia mais, quando se tinha muita gente para comer. E era mais fácil e mais rápido de preparar e guardar. A carne de boi vinha do curral. Periodicamente matava-se um. Ver matar um boi foi uma experiência traumática para mim. Fiquei muito tempo visualizando a cena. Parte da carne era secada ao sol e armazenada. Assim como o peixe.
Creio que a maior parte da energia alimentar consumida, vinha do café da manhã pela sua diversidade. Sempre fartíssimo: café (torrado e pilado em casa), leite (colhido diariamente), coalhada, queijo, macaxeira e batata doce cozida, tapioca, beiju, cuscuz de milho ou arroz, jirimum cozido amassado num prato fundo com leite e açúcar, bolachas ou roscas, industrializadas. Era de ver o vai e vem das pessoas servindo a mesa de todas essas iguarias fumegantes. O silêncio era de claustro. Na mesa não se falava. Comia-se. A única voz a se ouvir era a de meu avô, a cabeceira, distribuindo as tarefas do dia, a seus colaboradores.
O almoço era habitualmente um fartíssimo cozido (carne, macaxeira, batata doce, jirimum, banana pacovã), arroz, feijão (da plantação) e farinha.  A farinha era indispensável a qualquer hora. Qualquer um que passasse por uma vasilha cheia de farinha, tirava um punhado e levava a boca com tanta destreza que não caia um farelo sequer. As farinhas são de várias espécies: dágua, seca, surui. Cada uma com sua especialidade. Nos dias comuns não havia sobremesa. 
Nos domingos, com menos gente, o cardápio variava: peixe frito ou assado, galinha a cabidela, sempre acompanhados de arroz e farinha. Ou só de farinha. Nesses dias comia-se sobremesa: doce de leite ou de goiaba, feitos em casa, por minha avó; ou arroz doce, preparado por uma das tias, deliciosos. Melancia, melão, manga, laranja, tangerina, goiaba ou araçá, banana (pacovã, baié, maçã, São Tomé), cajás, pitangas, pitombas, jaca, abiu, cajarana eram frutas do trivial, não eram sobremesa. Comia-se a qualquer hora. Ainda sinto seus cheiros e sabores.

quarta-feira, 18 de abril de 2018


O que produzia a fazenda?

Creio que não se tratava bem de uma fazenda, mas de um grande sítio. Agora é tarde, para saber disto. Os que poderiam esclarecer estão todos mortos. Mas com certeza era muito terreno para poucos bois, cavalos, porcos e carneiros. E muita galinha. O cacarejá destas e o cocoricó dos galos, anunciando o dia, ainda de madrugada, denunciavam a quantidade. Depois de parir seus ovos as galinhas cantam. Porque? Para que? Para quem? Gostava de ver abrir o galinheiro e presenciar a saída delas, ciscando e bicando o chão, buscando a liberdade, com seus bater de asas e murmúrios assanhados. Leve como pena de galinha, crista de galo, parece um galo garnizé, pinto calçudo! Expressões que o tempo levou.
A agricultura era de subsistência. Havia um pomar atrás da casa. Com longas fileiras de diversas espécies de pés de manga – a doçura das espadas, apesar do nome – de laranjeiras e tangerineiras, o perfume das flores das laranjeiras, banhadas de orvalho, aromando a noite, lembrando os buquês de noivas daquela época, é claro. Jambos-brancos, pitangas, pitombas, cajás, bananas de várias espécies, bacaba, açaí e cupuaçu. Estes ainda não conhecidos nacionalmente, como hoje.
Bonito era o tapete verde-fosco das folhas rajadas de branco dos pés de jirimuns, de melões nativos, cujo cheiro me enjoava (até hoje). Plantas rasteiras, contrastando com a alta elegância dos pés de castanha – comum ou sapucaia – elevando-se aos céus com seus ouriços de formas bonitas – principalmente os da sapucaia – e diversas serventias, quando esvaziados. As castanhas quando novas, são leitosas; passadas, são oleosas. Mas sempre saborosas e nutritivas. O que não se sabia, então.
Disse antes, que o mister de suprir a casa do alimento principal era de meus tios. Na verdade, no meu tempo, era de meu tio Alberto e Vicente, uma cria da família. Os outros tios, na década de vinte, já tinham casado ou ido a luta. Tio Alberto era alegre, extrovertido, forte, corajoso, festeiro, namorador. Um típico homem do campo. O rio e a mata não tinham segredos para ele. Quando o via na cidade, de paletó e gravata, achava sempre que estava fora do seu habitat. Era um peixe fora d´água.
Como não vivia da pecuária nem da agricultura, de que vivia então a fazenda? Vivia da venda de lenha, para alimentar as caldeiras das embarcações que demandavam o rio acima e abaixo. A forma de comércio era o escambo. Lenha pra lá, açúcar, café (em grão), sal, bolacha, rosca, tecidos, utensílios de costura, sabão e outras utilidades, pra cá. Assim foi, até 1935, quando venderam a fazenda, cinco anos após a morte de meu avô. E o restante da família: minha avó Joana, minhas tias Luiza, Zulmira e Isaura; meus tios Pedro e Alberto foram morar em Manaus. Com o dinheiro da venda compraram uma casa na rua Silva Ramos, 359, e lá viveram até morrerem todos.


quinta-feira, 22 de março de 2018



Os arredores da casa
 Toda fazenda que se presa tem que ter casa de farinha e curral, com seus cheiros e sons peculiares. Na casa de farinha preparava-se a farinha seca e dágua e os ingredientes para o beiju, a tapioca, o carimã e o tucupi. Antes de se usar a mandioca ela era posta de molho num grande cocho de madeira, suspenso. Depois que se tirava a mandioca, era comum mandar os meninos banharem-se naquela água fermentada, para tirar o panema. Depois, banharem-se no rio e ficarem fortes.
Do curral, vinha o cheiro do estrume, o mungido dos bois, o relincho dos cavalos e a melancolia dos aboios. O estrume seco de boi servia para defumar os ambientes, onde havia carapanãs e outros insetos. Do leite, além de bebê-lo, fazia-se o queijo, o doce, a coalhada. Os meninos eram levados até o curral, de manhã, para beber leite mungido, quentinho, branco, espumoso, assim que saído do úbere das vacas. Depois, banho de rio. E crescer com saúde. Cresci.
Atrás da casa havia uma alameda de grandes mangueiras, tendo de um lado uma espécie de laranjal, ah! Se Chanel senti-se o perfume de suas flores, seria o nº 6? Era no tempo em que o buquê de casamento das noivas, virgens, eram com elas confeccionados. Pois a flor da laranjeira é o seu símbolo. Do outro lado, pés de goiabeiras vermelhas e brancas e de acidíssimos araçás.
Muito tempo depois, soube que os lugares banhados por rios de águas barrentas tem mais insetos que os de águia preta. Questão de química. Era o caso da fazenda que ficava as margens do Solimões, de água barrenta. Então, de dia tínhamos que espantar as mutucas e de noite os carapanãs, essas, com seus infernais zumbido agudo. E onde elas procuravam tocar sua flauta? Justo no ouvido dos mortais. Dai, perfumar-se as noite com a queima dos estranhos blocos, arredondados, de estrume bovino. E dormir de mosquiteiro. Dormimos.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018



A Casa
 A vida da fazenda concentrava-se na casa grande, onde moravam meus avós, a família, os parentes e aderentes. A casa era realmente grande. Ficava de frente para o rio Amazonas. A margem esquerda. A primeira casa era de sobrado. Um dia, um raio fê-la pender para um dos lados, qual torre de Pisa cabocla. Meu avô mandou demoli-la para construir outra de um só andar. É dessa que me lembro bem. Tinha um enorme salão, de onde saia um corredor com três quartos de cada lado, uma sala de refeições, despensa, cozinha e dependências sanitárias, só usadas por motivo de doença. As necessidades fisiológicas eram feitas num local fora da casa, apelidado de Quinze. Com o perdão da velha Senhora. De forma que quando se dizia: fulano foi ao Quinze, todo mundo sabia o que ele tinha ido fazer. A noite usava-se penicos.
O primeiro quarto, a direita, era de meus avós.  Quase todo mundo dormia em rede. As roupas eram guardadas em grandes baús ou malas. Nos outros quartos dormiam os tios, as tias, os primos e os hóspedes. Havia armadores para redes em todos os cantos da casa. No último quarto, a esquerda, ficava o oratório de minha avó, com os santos de sua devoção. Aí, minha tia Isaura, exercia seu papel de sacerdotisa, nos meses de maio e dezembro, puxando a novena de Nossa Senhora da Conceição.
A sala de refeições tinha uma comprida mesa, ladeada por dois bancos, de seu tamanho. Numa das cabeceiras, uma cadeira de alto espaldar. Trono de meu avô. A direita, minha avó. Nos outros lugares, no horário do café, certos trabalhadores que recebiam as ordens do dia; nas outras refeições os parentes sentavam-se, segundo sua importância. Que eu me lembre isso era natural, nada de etiquetas.
A seguir, a despensa, contendo mantimentos para a casa e para o aviamento dos trabalhadores, tarefa que minha tia Zulmira acumulava com a cozinha. Não havia água encanada. O precioso líquido era trazido do rio para casa todas as manhãs. Guardado em bilhas e grandes potes de barro. Para a limpeza, a água era armazenada em tonéis de óleo. Bebia-se em canecas de flandre ou ágate, cada um tinha a sua.
Na parte da frente da casa, havia uma escada em leque, que dava para um pátio acimentado, ladeado de bancos, para as conversas do anoitecer ou das noites de festa ou luar. Por trás dos bancos, perfumados pés de jasmins-do-cabo. Mais a frente havia um chafariz, que nunca vi funcionando. Ao lado direito, já quase a beira do barranco, um frondoso pé de manga da Bahia, com bancos rústicos embaixo, e ao lado, uma velha canoa, suspensa por forquilhas, cheia de terra estrumada, onde minha avó cultivava seus coentros e suas cebolinhas. A frente, o rio, profundo, barrento, no seu incessante caminhar. Uma vez por outra, uma canoa, um batelão, uma lancha, um navio ou um grande paquete, do Loide ou das estranjas. No ar, a melancolia de seus apitos anunciando chegadas ou partidas.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018




O rio

 Thiago de Melo tem um livro sobre a amazônia, cujo título é “Pátria da Água”. Creio que é verdade, com relação ao estado do Amazonas. Só nessa chamada fazenda de meu avô, tínhamos nos arredores da casa: o rio imenso, um pequeno lago e um igapó. Mas era o rio que comandava a vida, como bem dizia Leandro Tocantins.
Era do rio que se tirava o principal alimento: o peixe; era no rio que se fazia a higiene corporal: o banho; era pelo rio que se comunicavam com o mundo: o navio; era pelo rio que as pessoas adquiriam o necessário e o supérfluo: o comércio. Os navios e as lanchas: o transporte coletivo; a canoa: o transporte individual; e o batelão: a loja e bodega flutuantes. Reduto dos “turcos” como eram chamados os judeus, os sírios e os libaneses, que frequentemente exerciam esse comércio.
O banheiro era um quadrado de tábua flutuante, com paredes de japá. O nado não era frequente. Na enchente, o perigo maior era a correnteza e os redemoinhos; na vazante, entre outros as arraias com seu mimetismo e seus terríveis esporões; em qualquer tempo, os duendes com seus encantos e magias.
Na época das cheias ou vazantes, não sei mais precisar, observava-se um dos mais belos fenômenos naturais: a migração dos pássaros. Nuvens de patos selvagens, cruzando o rio em busca de ambientes mais propícios. As árvores perto da casa ficavam cheias de papagaios e periquitos ao anoitecer e que meu tio Alberto gostava de espantar de manhã cedo, com um tiro de espingarda. O barulho era ensurdecedor. Mas era um espetáculo de cor, som e movimento, inusitado. Inesquecível.
No rio, os fenômenos visíveis e audíveis: os troncos ou árvores inteiras de bobuia levados pela correnteza, como se fossem ilhas flutuantes; o som das terras caídas, do lado direito do rio, como verdadeiros trovões, assustavam. Fora os bichos: jacarés, cobras e certas espécies de peixes, como: os candirus, as piranhas e os puraqués. Isso era mais perigoso porém para os animais, que pastavam as margens dos igapós, lagos e rios. Pois durante todo o tempo que vivi lá, nunca soube de casos desse tipo com humanos.

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018


A fazenda

A fazenda ficava entre Manaus e Itacoatiara, distrito de Amatari. De lá, diziam ver, de noite, os navios iluminados, aparecerem na foz do rio Madeira. E essa imagem era associada a Cobra-Grande. Boiúna. Lembro-me de um menino que fazia xixi na rede todas as noites, e todas as manhãs prometiam entregar-lhe a Boiúna, se ele não se corrigisse. Cheio de medo aí é que ele fazia. E o pobre apanhava. Essas ameaças eram sempre associadas ao Matinta Perera, uma espécie de Saci de duas pernas; ao Curupira, com os pés voltados para trás; ao Mapinguari, cuja invencibilidade está no umbigo ou a M´boitatá, a cobra de fogo. Fogo fátuo? Personagens que povoam o imaginário amazônico. Os bichos papões do lugar.
Havia ainda as histórias de botos, seduzindo donzelas e de Iaras encantando rapazes. Principalmente os mais bonitos ou bonitas, que a lenda despreza os feios. Os feios são sempre maus: os bonitos sempre bons. Ai de mim! Mas esses eram assuntos para gente grande. Principalmente quando se sabia do nascimento de algum filho de boto. Sonhar a beira dos barrancos, tomar banho no rio, nua, passear de canoa em lagos e igarapés, eram álibis perfeito para o aparecimento súbito de uma barriga grande em qualquer moça.
Lembro-me de tia Raimunda (que não merecia esse nome e em boa hora lhe arranjaram o apelido de Miminha), tia Miminha, passeando de mãos dadas comigo, em frente a casa, me contando que certa vez ouvira o canto da Iara, bem ali, deslizando pelo rio. Essas e outras histórias, essas e outras personagens, não são lendas, não são mentiras, na vida do amazônida. São verdades de um povo cuja vida é comandada pelo rio e pela floresta. Histórias de caboclos. Não confundir com índios. Esses pertencem a outro seguimento do mesmo espaço. 

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018


Hora da virada

Não me lembro bem das noites de passagem de ano, em Manaus, quando era criança ou jovem. Creio que essa festividade se tornou presente, para mim, no Rio de Janeiro, quando passei a morar lá.
No começo, décadas de cinquenta, sessenta, setenta, ainda podia-se flanar pelas ruas do Rio, sozinho, durante a noite. A marginalidade era pontual. Copacabana e o Centro da cidade eram os palcos de todos os entretenimentos, de então.
O meu prazer, mesmo, na noite da virada (como se diz hoje) era caminhar pela praia, as vezes descalço, apreciando e recebendo passes de pais ou mães de santo, em plena praia, ao murmúrio do mar. Os altares eram grandes cavidades na areia, onde, protegidas do vento, se colocavam as imagens de Iemanjá, a rainha da festa, rodeada de lírios e velas. Toda a praia era um imenso baixo relevo dedicado a Deusa.
Ao se aproximar da meia noite, as charangas começavam a tocar, os tambores a ruflar, os fogos desciam em cascata do topo do Hotel Mediterané e todo mundo de branco começava a cantar, se abraçar e se beijar, numa tristeza de adeuses pelo ano que morria e de alegria pelo que nascia, ao som daquele enorme coral. Era como no samba-choro de Assis Valente, de 1938, cantado por Carmem Miranda:

“beijei na boca de quem não devia
peguei na mão de quem não conhecia
dancei um samba em traje de maiô
e o tal do mundo não se acabou.”

Hoje, a atração é o grande show, no palco armado na praia, com os cantores mais populares do momento e a chuva colorida de fogos, emergindo da Baia da Guanabara, na hora da virada. Depois, esperar o amanhecer acreditando na folhinha que diz ser o dia da Confraternização e Paz universal.  Oxalá! Oxalá!

Deixe aqui o seu nome e o seu comentário

Widget is loading comments...