sexta-feira, 26 de maio de 2017



A casa dos três telhados


A casa foi construída numa pequena elevação  de terreno. Aberto o portão,  sobe-se por uma rampa e vai-se até o primeiro quadrado, coberto de telhas de barro, que tanto pode ser garage, sala-de-estar ou varanda para se armar belas redes de embalar. Na parte da frente e dos lados, um jardim agreste. Chão de cimento. Compridos bancos de madeira de ambos os lados. Pedaços de vidro coloridos decoram a única parede de tijolos aparentes dessa ante-casa. As telhas brique, as vigas negras têm nuances inusitadas, a luz dos vários momentos do dia.

Se a casa é o que esconde, entra-se nela por uma porta dupla: a primeira de treliças e a segunda de vidro. Ambas de correr. Aberta a porta entra-se no segundo quadrado. A passagem de um para o outro é protegida pelo encontro de dois telhados. No primeiro quadrado da casa, propriamente dita, encontram-se três ambientes: sala de visitas, sala de refeições e       cozinha. Uma janela de cada lado. A meia parede da frente, como a da varanda, é decorada com pedaços de vidro coloridos. Nas cavidades obras de artesanato: barro, louça, cobre. Num recanto improvisou-se um armário. Livros. Diante do sofá uma velha mala de couro serve de arca e mesa. Os tapetes de rodelas de panos, formando intrincados arabescos. A mesa de refeições é ladeada por dois compridos bancos. Poucas cadeiras. Tudo rústico. Mas usado. Mesa marcada pelo calor dos alimentos; os bancos e as cadeiras pelo calor dos corpos. Chão pisado, andado, lavado, varrido. Casa realmente habitada.

O segundo e terceiro quadrados se encontram. Liga-os o banheiro e um corredor de saída lateral. No terceiro quadrado, tem-se uma sala de estudos – mesa, cadeiras, estantes – e três quartos – camas, armários, espelhos, janelas. A casa que antes era pública, depois comum, aqui, torna-se íntima, secreta, nupcial. Está tão perto e ao mesmo tempo tão distante, que se vai lá apenas para colher ou se recolher. Na parede da saleta de estudos ele incrustou uma porta (ou janela?) de madeira, que o mar atirou na praia. Aliás, na casa, o mar é uma presença auditiva, olfativa e táctil. O quebrar das ondas na praia, o cheiro da maresia e no corpo o frescor da brisa constante.

Esta é a casa dos três telhados. Ele a imaginou, projetou e construiu. Telha a telha, tijolo a tijolo, viga a viga. A mulher mora na casa mas quem a habita é ele. Seu silêncio escorre pelas paredes, aprisiona-se na gaiola sem pássaro, concretiza-se nos painéis de ladrilhos. Madeira em madeiro reduzida, argila em telhas e tijolos acolhida, cantar de ondas pela brisa trazido, acalanto para Mariana dormida. Esta é a casa de Madeira, Angélica, Mariana.

quinta-feira, 4 de maio de 2017



VENTO LOUCO, VENTO LOUCO

 O que é o vento? Diz o dicionário, que é ar em movimento. Corrente de ar resultante de diferenças de pressão atmosférica, provocadas, na maioria dos casos, por variações de temperatura. E que existem ventos gerais e locais. Os gerais são os alísios, soprando periodicamente das regiões temperadas para a região equatorial; e monções, soprando regularmente em determinada direção, numa estação do ano, e em sentido contrário noutra época do mesmo ano. Os locais são muitos. Registrei apenas aqueles que a literatura me apresentou e praticamente os transformou em personagem, como: o frio mistral francês; o terreal que sopra da terra para o mar; o simum, quente e abrasador na África do norte; o siroco, aquecendo o mediterrâneo; e o cortante minuano, que me fazia tremer de frio, lendo os romances de Érico Veríssimo, em Manaus ou a lembrança de minha mãe nos dias de ventania, segurando a saia e andando pela casa, exclamando para si mesma: vento louco, vento louco...
       
A simples mensão da palavra, vento, me lembra logo o mar, ondas, marés, jangadas e barcos a vela. É lírico e trágico, de vez em quando. Ele é sempre matéria de poesia. Está frequentemente presente em Cecília, em Quintana e até em Thiago de Mello, que tem uma coleção de seus poemas intitulada – “Ventos Gerais”, e nela um poema chamado, “Barcos e ventos” que por muito bonito transcrevo:

Estimo o velejar fácil
de barca singrando o rio
sem qualquer ânsia de porto.
No singrar já se compraz.

Além do singrar, desejo
ouvir o rumor do vento
que agita o mar e saber
a que rumo ele me impele.

Ai, triste é ser como búzio
que, fabulário, resguarda
em seu côncavo o murmúrio
do mar a que pertenceu,
no entanto jamais se escuta.      

Mas, a que vem toda essa lenga lenga sobre ventos? Claro, os que sopram nesses “bros” sobre Fortaleza. Dizem as autoridades que eles têm uma velocidade média de 28 quilômetros, com rajadas de até 70 quilômetros por hora, amenizando o calor, mas provocando muitos incêndios. Antes, havia também as "chuvas do caju”. Porque se acabaram? Esse vento de setembro, outubro e novembro, que parece não ter sido batizado ainda, só serve para derrubar no nascedouro, mangas e maturis e assustar os velhinhos em suas tocas. Ele surra tão forte as janelas do meu apartamento e urra tanto  em suas frestas, que até já o apelidei de “apartamento dos ventos uivantes”, com o perdão, é claro, de Emily Brontë. 

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