sexta-feira, 24 de agosto de 2018



Há quarenta anos esta noite - IV

Creio que, então, um dos serviços mais precários da cidade, era o transporte. As linhas de ônibus me pareciam mal distribuídas. As vezes, tínhamos que andar cinco quarteirões para tomar uma condução. O serviço noturno era mais precário ainda. Taxi  era caro e os ônibus paravam praticamente as vinte horas, depois só o "corujão" a meia noite. Nesse setor, também tivemos que nos adaptar. No Rio, os ônibus são identificados normalmente pelo número, embora tenham nome. Aqui, é sempre pelo nome, embora tenham número, também. “Vais tomar o Jovita?” “Não, vou de Rodolfo Teófilo.”.
Por isso, tentei me motorizar. A distância dos mercados, das feiras, dos divertimentos, me levou a comprar um carro. Mas decididamente não nasci com o espírito de Senna ou Massa. Chegar em casa de madrugada e ter que estacionar o carro, abrir a porta do carro, sair e fechar; abrir o portão, abrir e fechar novamente a porta do carro para colocá-lo na garage; sair outra vez do carro e fechar o portão; trancar o carro e abrir e fechar a porta de casa. Não. Decididamente, não. Vendi o Fiat... E foi quando, a meu favor, apareceu o serviço de central de taxis: Rádio Taxi. Basta um telefonema e lá veem eles com o número de portas que eu desejar e como na marchinha de carnaval, até: “com ar refrigerado para os dias de calor”. Assim tenho, até hoje, cerca de quatrocentos carros, com mesmo número de motoristas, a minha disposição, a tempo e hora.
Também nesse setor Fortaleza progrediu muito: foi instituído o Bilhete único, a instalação de binários, passarelas, bicicletas compartilhadas, carro elétrico compartilhado, faixas exclusivos para ônibus,  linha de metrô entre Fortaleza e Paracuru; de VLT entre Fortaleza e Caucaia... existem várias centrais de taxi: Rádio Taxi, 99, Uber, Rodotaxi, Capital...o pagamento pode  ser feito a dinheiro ou cartão de crédito. Pode ser chamado na hora ou agendado. Até pedi para ser acordado de madrugada, por exemplo, para não perder a hora da viagem.
Creio que a mobilidade urbana seja um dos problemas mais difíceis de serem resolvidos em Fortaleza. Não será alargando ruas ou avenidas, construindo túneis ou viadutos que ele será resolvido, quando se sabe que entram na cidade cerca de três mil novos carros por mês e as "carroças", como diria o Collor, não são retiradas do tráfego. Creio, porém, que esse não é um problema daqui, mas de todas as grandes cidades. Carro como status. E dizem que Fortaleza é uma das capitais do país com mais carros importados.

domingo, 12 de agosto de 2018


Há quarenta anos esta noite - III

Toda vez que se invoca o nordeste, pensa-se logo, em seca. Quando cheguei aqui, ouvia falar até de “indústria da seca”. Promessas eleitoreiras não cumpridas, desvios de verbas públicas para bolsos particulares, esmoleres aos “magotes” pelas ruas. Estes, na verdade, chegavam a incomodar. Certa vez, ouvi alguém dizer: se eu for dar esmola a todos que me pedem vou ter que pedir também para voltar para casa. Morando em casa, era quase necessário ter uma pessoa exclusiva para atender aos pedintes ou despachá-los.
Foi por causa de água que quase não me fixei aqui. A primeira casa que aluguei tinha água de poço. Não sabia lidar com as tais bombas. A da casa recém alugada quebrava mais do que funcionava. E eu não dava trégua a meu primo Eduardo. “Eduardo, a bomba quebrou. Me arranja um bombeiro”. E lá vinha ele com um especialista, contratado no centro da cidade. Eles ficavam a espera de trabalho, geralmente, na esquina da Rua São Paulo com Barão do Rio Branco.
Até que rescindi o contrato de aluguel e mudei para uma casa recém construída, com água encanada. Respirei. Eram poucas as ruas de bairros que tinham água encanada (Cagece). E muitas pessoas não confiavam nos serviços da empresa. Preferiam água de poço, cuja água diziam ser pura. Havia, então, os chafarizes. Os moradores mais abastados contratavam pessoas para entrarem nas filas de madrugada para recolherem água, de manhã cedo. Eles as recolhiam geralmente em latas de querosene, que eram também uma medida de valor.
Todas as casas tinham poço, cuja água os moradores usavam para os serviços de casa. A água para beber era a do poço público.  Perto da minha casa havia um chafariz, na chamada Pracinha, na Rua Érico Mota, atrás do colégio Monsenhor Linhares. O horário ia de seis as dez horas da manhã. O carregadores cobravam cinquenta centavos do cruzeiro para levá-las até em casa. Havia também terrenos particulares com poços de água pura que os proprietários vendiam.
Diziam que havia lugares na cidade que só tinha água de poço.  No sítio de meu amigo Estrigas, no Mondubim, a uns doze quilômetros de distância do centro da cidade, ainda era assim. Consultando um site da cidade de Fortaleza, li que a cidade, na época, não tinha cinquenta por cento de água encanada. É o tipo de obra que além de perturbar o cotidiano da cidade, não dá visibilidade aos políticos. Fica, então, só em projeto. Promessa do candidato a governador ou prefeito na próxima eleição. E o eleitor que acredite e vote ou troque  o voto por um simples favorzinho. “E la nave..."

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