segunda-feira, 25 de setembro de 2017



O lugar

No início da quarta década do século vinte, Manaus era uma pequena cidade/capital, com cento e poucos mil habitantes, situada a margem esquerda do rio Negro, a dezoito quilômetros de sua foz, onde com o Amazonas, formam  o  turístico  encontro das águas. Está a mais de mil  e  quinhentos  quilômetros do oceano Atlântico. Justo no coração da Amazônia Ocidental.
Como quase todas as cidades coloniais brasileiras, Manaus nasceu entre a cruz e a espada. Pois, os portugueses sentindo-se ameaçados por ingleses, holandeses e espanhóis mandaram erguer naquele lugar, em 1669, um forte, que denominaram de Forte de São José da Barra do Rio Negro. Ficava no lugar onde hoje se encontra o edifício da antiga Fazenda Pública.
Esse forte foi erguido sob a inspiração de Jesus, Maria e José. E num pequeno monte fronteiro, os carmelitas construíram uma capela para Nossa Senhora da Conceição, que mais tarde se tornou a padroeira da cidade. O lugar é o mesmo onde hoje se ergue a igreja Matriz. Ao redor destas construções, os portugueses reuniram alguns brancos e componentes das tribos dos barés, banibas, passés e manaós, iniciando assim o povoamento do lugar e a estirpe de nós os amazonenses.
Manaus fica a 3º 8’ 7’’ de latitude S e 60º 6’ 34’’ de longitude O de Greenwich. A uma altitude de 44m sobre o nível do mar. Na construção do Forte destacaram-se os nomes de Pedro da Costa Favela, Antônio Albuquerque Coelho de Carvalho e Francisco da Mota Falcão. Todos portugueses. Manaus teve vários nomes: São José da Barra do Rio Negro, Fortaleza da Barra, Barra do Rio Negro, Lugar da Barra, Vila da Barra e algumas vezes, entre uns e outros, mas desde 1856, definitivamente – Manaus.
Pois, foi nessa pequena cidade/capital, que eu nasci as 9h20min do dia 18 de setembro de 1920, num sábado de final de verão. (Como se aqui tivesse outras estações!) E que, hoje, depois de ver várias etapas longe dela, comemoro noventa e sete anos de idade. São 65 anos de ausência física, mas noventa e sete de interior amazonidade. Creio que ninguém se ausenta do espaço em que sofreu a sua infância e adolescência. Assim, depois de todas essas errâncias fui e continuo a ser -- amazonense.
18/09/2017

quinta-feira, 7 de setembro de 2017



Cinema - uma dependência?

Jean-Paul Sartre, em seu livro de memórias, “As palavras”, diz que “os burgueses do século passado, jamais esqueceram de sua primeira noite no teatro”, mas ele desafiava “seus contemporâneos a citar a data de seu primeiro encontro com o cinema”. De minha parte, como bom burguês, isto é, morador de um burgo, é verdade. Não me lembro da data em que vi o primeiro filme, mas não lembro também da primeira peça. Sei qual foi o cinema e porque fui.
Foi, com certeza, na década de trinta. Ou mesmo no ano de l930. Aos dez anos de idade. No Cine Manaus. Dos padres salesianos. O cinema fazia parte de um conjunto de três edifícios num quarteirão rodeado de grades, com a frente para a rua Epaminondas: a Igreja de Dom Bosco, o Colégio e numa pequena elevação, o cinema. Era dirigido pelo famoso padre Agostinho Cabalero Martins (l883/l962). Moreno, baixinho, agitado, falando rápido e com sotaque espanholado. Vinha da aldeia de Avelar, Salamanca, Espanha, via Buenos Aires, onde formou-se em teologia e pedagogia. Chegou em Manaus em l921. Usava uma campainha para impor disciplina. Era um raivoso/manso. Muito popular na cidade e querido da meninada. Uma das suas formas de catequese era distribuir entradas a todo menino que, aluno ou não do seu colégio, fosse a missa de domingo na Igreja de Dom Bosco. Quem se habilitaria? Eu, é claro. Não era aluno, mas ganhava entradas porque me tornei um dos mais assíduos frequentadores da eucaristia dominical salesiana.
Os programas eram compostos de velhos filmes italianos, tragédias e dramalhões históricos. Para a garotada, as l4h, eram as comédias de Buster Keaton, o homem que nunca ria, Harold Lloyd, com seus óculos arredondados e, naturalmente, o genial vagabundo, Carlitos. As cenas de correrias, os quiprocós, os pastelões causavam verdadeira histeria na meninada aos gritos, assovios e pateadas. Havia ocasiões em que as luzes se acendiam e, ao mesmo tempo, o silêncio, como num passe de mágica, se instalava. Truque de Meliès? Apagavam-se as luzes e tudo recomeçava. Eu procurava sentar isolado. Não era aluno. Tinha medo de ser posto para fora. Perder o espetáculo. Dizer que fiquei maravilhado é pouco. Criei uma verdadeira dependência, até hoje.

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