domingo, 9 de julho de 2017



SÁBADOS DE POESIA

Quando comecei a frequentar a escola, em Manaus, aos oito anos de idade, já sabia ler e escrever regularmente. Nesse tempo, a alfabetização, de um modo geral, era feita por professoras que mantinham em suas casas cursos para essa finalidade. Ou em casa, com algum familiar.  Meu caso.

O ensino era dividido em primário, secundário e superior. A língua portuguesa era ensinada no primário e no secundário por um só professor: gramática, leitura e redação. Os livros traziam textos dos grandes escritores portugueses e brasileiros que eram lidos em voz alta e dos quais eram feitos ditados. Aos sábados, havia sabatina ora de verbos ora de tabuada, apanhei muito nestas, pois as sabatinas eram acompanhadas pelo som das palmatórias.

Fiz esses cursos em três escolas: Liceu Sarmento (que fechou no fim do ano que eu entrei), Colégio Rayol e Instituto Universitário Amazonense.  Mensalmente havia prova de redação: narração, descrição ou dissertação. Algumas vezes, eram apresentados quadros (creio que de pintores famosos) para que os interpretássemos por escrito.  Os três melhores trabalhos eram lidos para a classe pelo autor...

Em sábados, predeterminados, tínhamos que recitar uma poesia, de cor, em pé, diante de toda a classe e professores. Eu era (era?) muito tímido e isso era um suplício para mim. Mas era um suplício prazeroso, pois esperava esses sábados com certa ansiedade. Há dias, conversando com um amigo sobre nossas experiências escolares, ele perguntou se ainda me lembrava de algumas dessas poesias. Sim. Não de cor, é claro. Sempre fui de muitas lembranças e pouca memória. E isso são fatos do século passado, imagina!

Eu sempre dizia os sonetos: “Visita a casa paterna”, de Luis Guimarães Júnior e “O Acendedor de Lampiões”, de Jorge de Lima, até ser criticado publicamente por um professor. Daí então emudeci. Detalhe: ai daquele que não soubesse o nome do autor. A que eu mais gostava era,  na verdade, o soneto de Jorge de Lima: O Acendedor de lampiões de ruas:

Lá vem o acendedor de lampiões da rua!
Este mesmo que vem infatigavelmente,
Parodiar o sol e associar-se à lua
Quando a sombra da noite enegrece o poente!

Um, dois, três lampiões, acende e continua
Outros mais a acender imperturbavelmente,
À medida que a noite aos poucos se acentua
E a palidez da lua apenas se pressente.

Triste ironia atroz que o senso humano irrita: –
Ele que doira a noite e ilumina a cidade,
Talvez não tenha luz na choupana em que habita.

Tanta gente também nos outros insinua
Crenças, religiões, amor, felicidade,
Como este acendedor de lampiões da rua!

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