quarta-feira, 5 de setembro de 2018


Há quarenta anos esta noite - V
Um dos aspectos da mudança ao qual tive mais atenção – foi a linguagem. Como já tinha uma certa deficiência auditiva, quando cheguei aqui, tive que redobrar a minha atenção ao ouvir os cearenses. Como falam rápido. E como acontece em qualquer região do Brasil teem um dialeto, com vocabulário, expressões, gestual e musicalidade, próprias.
Mesmo quando viajo gosto muito de prestar atenção a maneira de falar de meus conterrâneos. Como, por exemplo, os pequitititos diminutivos dos amazonenses ou o som da vogal “o” quase sempre transformada em “u”; ou a indicação: “ali”, sempre transformada em “ali bem”, pronunciada com um leve espichar do lábio inferior. O “uai sô”, dos mineiros; ou os “barbaridad tchê”, dos gaúchos; o “r” dobrado dos caipiras paulistas: porrta, corrda; ou os excessos de “ss” dos cariocas. Sem malicia, só o prazer da diversidade.
Em Fortaleza, anotei algumas palavras típicas ou usadas de maneira particular, que hoje, em virtude talvez da televisão e da grande mobilidade das populações, não existem mais. Quando cheguei aqui ouvia me perguntarem: “que hora é essa”, para, que horas são?; “diga aí”, para o que é que há? “Acochar”, para apertar; “rebolar” para jogar fora; “brechar” para espiar. As palavras: mulher, filho, velho, sempre em corruptela: muié, fio, fia, véia, véio. Isso até em pessoas de boa escolaridade.  Muitas das expressões maliciosas desapareceram, como: “pai d´egua”, “arre égua”,” baitola”. Costumam, ainda, comer os “ss” e “rr” finais das palavras ou trocar o para, por “pa”.
Não tenho nenhuma pretensão de crítica, pois não tenho credenciais gramaticais ou lingüísticas, para tal. Mesmo porque essas especificidades se verificam em todas as regiões. Em algumas nos identificamos nacionalmente, como nos: “marmenino”, “mermo assim” e outras que não me ocorrem agora e não vem ao caso.
O que mais me chamou atenção, quando cheguei aqui, foi o apodo de Zé. Era seu Zé pra cá e seu Zé pra lá e eu fazendo força para engolir em seco o tal de Zé, que não queria em mim.
- Seo, Zé, me dê uns trocadin.
- Seo,Zé, me dê umas foia de mamoero.
Eu que tivera tanto trabalho para ser chamado pelo meu pré nome, de que tanto gosto, ver-me de repente transformado num Zé qualquer. Mas foi coisa de instante e ontem como hoje continuo a ser o Alberto de sempre. "Garra a Deus!”, como dizia uma de minhas tias afim.
Mas foi justamente esse Zé, continuado ou não, que me chamou atenção para a minha nova condição de, embora nacional, migrante. E me impreguinou de tal forma que hoje me pareço um amazonense meio carioquisado e ciarensisado: nortista, sudestino, nordestino. Arre égua, macho velho!

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