quarta-feira, 18 de abril de 2018


O que produzia a fazenda?

Creio que não se tratava bem de uma fazenda, mas de um grande sítio. Agora é tarde, para saber disto. Os que poderiam esclarecer estão todos mortos. Mas com certeza era muito terreno para poucos bois, cavalos, porcos e carneiros. E muita galinha. O cacarejá destas e o cocoricó dos galos, anunciando o dia, ainda de madrugada, denunciavam a quantidade. Depois de parir seus ovos as galinhas cantam. Porque? Para que? Para quem? Gostava de ver abrir o galinheiro e presenciar a saída delas, ciscando e bicando o chão, buscando a liberdade, com seus bater de asas e murmúrios assanhados. Leve como pena de galinha, crista de galo, parece um galo garnizé, pinto calçudo! Expressões que o tempo levou.
A agricultura era de subsistência. Havia um pomar atrás da casa. Com longas fileiras de diversas espécies de pés de manga – a doçura das espadas, apesar do nome – de laranjeiras e tangerineiras, o perfume das flores das laranjeiras, banhadas de orvalho, aromando a noite, lembrando os buquês de noivas daquela época, é claro. Jambos-brancos, pitangas, pitombas, cajás, bananas de várias espécies, bacaba, açaí e cupuaçu. Estes ainda não conhecidos nacionalmente, como hoje.
Bonito era o tapete verde-fosco das folhas rajadas de branco dos pés de jirimuns, de melões nativos, cujo cheiro me enjoava (até hoje). Plantas rasteiras, contrastando com a alta elegância dos pés de castanha – comum ou sapucaia – elevando-se aos céus com seus ouriços de formas bonitas – principalmente os da sapucaia – e diversas serventias, quando esvaziados. As castanhas quando novas, são leitosas; passadas, são oleosas. Mas sempre saborosas e nutritivas. O que não se sabia, então.
Disse antes, que o mister de suprir a casa do alimento principal era de meus tios. Na verdade, no meu tempo, era de meu tio Alberto e Vicente, uma cria da família. Os outros tios, na década de vinte, já tinham casado ou ido a luta. Tio Alberto era alegre, extrovertido, forte, corajoso, festeiro, namorador. Um típico homem do campo. O rio e a mata não tinham segredos para ele. Quando o via na cidade, de paletó e gravata, achava sempre que estava fora do seu habitat. Era um peixe fora d´água.
Como não vivia da pecuária nem da agricultura, de que vivia então a fazenda? Vivia da venda de lenha, para alimentar as caldeiras das embarcações que demandavam o rio acima e abaixo. A forma de comércio era o escambo. Lenha pra lá, açúcar, café (em grão), sal, bolacha, rosca, tecidos, utensílios de costura, sabão e outras utilidades, pra cá. Assim foi, até 1935, quando venderam a fazenda, cinco anos após a morte de meu avô. E o restante da família: minha avó Joana, minhas tias Luiza, Zulmira e Isaura; meus tios Pedro e Alberto foram morar em Manaus. Com o dinheiro da venda compraram uma casa na rua Silva Ramos, 359, e lá viveram até morrerem todos.


Um comentário:

  1. Eis uma saga quase inesgotável, essas observações da adolescência ou da juventude.. Haja luz, haja colorido!
    Uma beleza, Mestre!

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