terça-feira, 24 de outubro de 2017



O livro de areia

Em 1960, fiz a minha primeira viagem internacional. Destino: Buenos Aires.  Motivo: trabalho. O tempo foi curto, mas nos pequenos intervalos visitei algumas livrarias  e me relacionei com um argentino, que gostava de literatura brasileira. E eu, sinceramente, tive que  confessar-lhe a minha ignorância da literatura argentina.  Ou melhor, da literatura latino-americana.
Foi então que no final da visita ele me presenteou com "El libro de arena", de Jorge Luis Borges. Autor que completamente desconhecido, para mim, e um dos gênios argentinos, segundo ele. E aqui,  tenho que confessar uma das minhas excentricidades em matéria a de leituras, é o seguinte: gosto de escritores objetivos. Claro na escrita, coerente na exposição do tema, linguagem simples. Mas há escritores difíceis que me atraem, como por exemplo, o mexicano, Octavio Paz, a inglesa, Virginia Woolf, a nossa Clarice ou mesmo Guimarães Rosa e naturalmente,  Jorge Luis Borges.
Com o meu portunhol li mal o livro de Borges, mas tempos depois saiu a tradução em português e o reli. E embora não entendendo quase nada, porém encantado com a escrita ia, aqui e ali sublinhando frases ou períodos inteiros como os que copio, agora:
- Papai sempre com suas brincadeiras contra a fé. Ontem à noite afirmou que Jesus era como os guachos, que não querem se comprometer, e que por isso pregava por parábolas.
- o que dizemos nem sempre se parece conosco.
- Por indecisão ou por negligência ou por outras razões, não me casei, e agora estou só. Não sofro pela solidão; já é bastante esforço alguém tolerar a si mesmo e as próprias manias.
- todos os grupos tendem a criar seu dialeto e seus ritos;
- Notei que as viagens de volta duram menos que as de ida,
- Disse a mim mesmo repetidas vezes que não existe outro enigma senão o tempo, essa infinita urdidura do ontem, do hoje, do futuro, do sempre e do nunca.
- “Quem olha para uma mulher a fim de cobiça-la, já cometeu adultério em seu coração”
- o desejo não é menos culpável que o ato,
- Não existem dois morros iguais, mas em qualquer lugar da Terra a planície é uma só.
- Os fatos... São meros pontos de partida para o  pensamento e a invenção.
- não é importante ler, mas reler.
- Quando quer, se mata. Dono de sua vida, o homem também o é de sua morte.
- Nunca pudemos nos evadir do aqui e do agora.
- toda viagem é espacial. Ir de um planeta a outro é como ir à chácara defronte. Quando entrou neste quarto, estava executando uma viagem espacial.
- um passaporte não modifica a índole de um homem.
- Disse-me que seu livro chamava O livro de areia, porque nem o livro nem a areia têm principio ou fim.
- Lembrei-me de ter lido que o melhor lugar para esconder uma folha é um bosque.

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