domingo, 14 de dezembro de 2014

 


                                       Os gordinhos de Botero


Tenho uma amiga de que gosta muito de presentear. Para mim, é sempre livros. E sempre com  dedicatórias muito delicadas. O que é muito agradável, mas com o passar do tempo, embaraçoso. É o material que mais compro e que também mais me desfaço. Pois, morando num apartamento de uns sessenta metros quadrados, onde no fim de poucos anos iria guarda-los todos? No caso, o mais difícil é a dedicatória. Antes, eu arrancava a página, identificava-as e guardava-as. Mas depois o volume foi se acumulando e o jeito foi desfazer-me delas, também.

Aqui, em Fortaleza, é mais fácil. Tenho uma colega no Sarau do Beco, Rita de Cassia, que faz parte de um grupo de senhoras, que recolhem livros e montam bibliotecas em comunidades do interior do Estado e penitenciarias femininas. Preferia-os dar a amigos ou parentes que gostassem de ler, pois teria com quem comenta-los, mas infelizmente os mais próximos não gostam. Então, dos males o menor.

Mas, a que vem todo esse blá-blá? É que arrumando as sacolas para leva-los a minha amiga, topei com o livro/catálogo da exposição do pintor colombiano Fernando Botero, no MASP, em 1998, presenteado por essa amiga, e me lembrei que vi esculturas do pintor, nos jardins do castelo/museu de Ricardo Brennand, em Recife. São gordas e volumosas como as figuras de seus quadros. O curioso que é que em imaginava o autor também volumoso como seus personagens. A foto dele no catálogo me desenganou.

No catálogo, há uma entrevista em que ele conta o momento em que  descobriu o seu estilo (?). Transcrevo: “Naquela época meu interesse pelo volume estava dentro do sentimento italiano. Era lógico, havia amplidão no desenho e exuberância no contorno. Mas um dia, enquanto desenhava um Bandolim de rasgos generosos, no momento de fazer o buraco do instrumento, o fiz muito pequeno e o Bandolim adquiriu proporções fantásticas. Meu talento foi ter podido reconhecer que alguma coisa tinha acontecido. Depois desse Bandolim, meu mundo foi expandindo-se. Passei para as figuras e de repente fui criando um universo de formas grandes, que encontravam superlativo nos pequenos detalhes”.

Daí, os grandes corpos, com bocas, olhos, narizes, dedos extremamente pequenos para o tamanho das figuras. Que os torna inusitados. E bem originais. Há quem não goste. Os entendidos. Eu que não faço parte da inteligência, gosto. E que viva o gordo!



domingo, 30 de novembro de 2014








Durante toda a viagem a saudade não me deixou
Não digo que era como minha sombra
Pois ela estava ao meu lado até na escuridão
Não era como minhas mãos e pés
Pois você não sente sua mão e pé dormindo
Eu não perdia a minha saudade nem dormindo
 Por toda a viagem a saudade não me deixou
Não digo que era como a fome ou a sede
Não era como procurar o frio no calor, o calor no frio
É algo impossível de terminar
Não é alegria e nem tristeza
Não tem nada a ver com as cidades,
as nuvens ou as canções
Estava dentro de mim e fora de mim
Por toda a viagem a saudade não me deixou
Alias, o que restou dessa viagem
senão a saudade?
           
              
              Do  poeta turco Nazim Hikmet Ran  nascido na Turquia em em 1902 e falecido na antiga União soviética em 1963. Infelizmente não registrei o nome do tradutor.



sábado, 29 de novembro de 2014


                             


                                  O encadernador


Um dia desses, remexendo nas minhas estantes de livros, topei com dois de capa dura. Estranhei. Eu que só gosto de brochura. Peguei o menor, era  “As palavras”, de Jean Paul Sartre, tirei o outro, era “A vida de André Gide”, de Kaus Mann. Comecei a examina-los e lembrei que os dois são herança de uma experiência de mais de quarenta anos.

Não sei por que, lá pelos meados do século passado, fui aconselhado a usar as mãos: desenhar, pintar, tocar um instrumento. Fiquei atônito. Não tenho nenhuma habilidade manual. Pintar? Me lambuzar de tinta, nem pensar. Desenhar? É uma frustração, principalmente quando viajo, mas carregar pastas com papeis, lápis, borrachas, humm, não. Cheguei a comprar um violão e ir do Flamengo a Tijuca para ter aulas com jovem violonista, que estava sem trabalho. Disse-lhe da minha inabilidade. “Vamos ver”. A duras penas fiz uns exercícios. Ele me perguntou se eu cantava. Disse-lhe que sim. No banheiro. Ele me pediu para cantar qualquer música. Deu um branco. Ai, ele atacou de Caynni: Quem não gosta de samba...

Resultado: ensimou-me os acordes e mandou que eu treinasse em casa para a próxima aula. Tentei. Tentei. Mas os dedos duros não encontravam o ritmo. Na aula, depois de tentar tocar a música, ele ouviu e pediu que cantasse, para ele acompanhar. Aí, ele muito delicadamente disse: porque você não aproveita a voz que tem e começa cantando, aos pouco você acaba tocando. No meio da semana, recebi um telefonema dele desculpando-se, mas que tinha assinado um contrato com uma banda em São Paulo e não poderíamos continuar com as aulas. Foi um alívio. Para os dois?

Mas, e os livros encadernados? Decepcionado comigo mesmo, desabafei para um colega de trabalho. E foi, aí, que ele me disse porque você não tenta a encadernação. Você que adora os livros. Eu posso te ensinar. Fiquei tentado. Marcamos encontro no apartamento dele. E lá fui eu cheio de curiosidade. Era uma verdadeira oficina. Apartamento enorme na Praia do Flamengo. Ele era um mineiro muito educado. Mostrou-me a parafernalha toda e depois me deu um livro para desmembra-lo. Não tive dificuldade. Quando terminei. Ele, que me observava disse-me que eu levava jeito para a coisa. Fiquei entusiasmado. E continuei. Aprendi. Gostei. Esses dois livros, são os que guardei, como lembrança dessa experiência. Os outros, dei-os de presente a amigos como trabalho meu.

Porque não continuou? Ora, onde eu conseguiria dinheiro para comprar e espaço para colocar: uma prensa, uma guilhotina, ferramentas, folhas de ouro, cola especial e tudo mais do necessário para a atividade de encadernador? A cola tem um cheiro muito ativo e iria incomodar as pessoas que comigo conviviam. Daí, desisti. Mas, não mais frustrado.  Pois tinha agora uma profissão: um operário encadernador.


sábado, 1 de novembro de 2014



                   Preconceito/Decepção/Remorso

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       Um pequeno livro intitulado “Cecília em Portugal”, de Leila V. B. Gouvêa, da Iluminuras, reconstitui a trajetória da primeira viagem de Cecília Meireles em Portugal, mas conta  também a história de uma grande decepção. Para não ser infiel, transcrevo:

“Naquela noite fria e chuvosa de dezembro, o A Brasileira do Chiado ia ficando enevoado de fumaça. Mais um pouco, faria duas horas que ali estavam à espera. Faltando pouco mais de dez dias para a volta ao Brasil, surgira, afinal a oportunidade de conversar com aquele extraordinário poeta, cujos poemas vinha lendo, nas revistas portuguesas que recebiam em casa, desde a década de 20.

Fernando sugeriu que desistissem. Ela ainda tentaria persuadi-lo a aguardar um pouco mais. Mas acabou concordando em retirar-se”. Fernando era o marido de Cecília e o esperado era o, na época, não tão famoso Fernando Pessoa. Pessoa era metido a exotérico. E teria recebido avisos dos astros para não comparecer ao tal encontro. Dias depois ela recebeu no hotel um exemplar do seu primeiro e único livro publicado em vida: Mensagem. E dizem que no espólio do poeta há um lacônico cartão acusando o recebimento do livro: “Cecília Meireles – cumprimenta e agradece”. Tempos depois ao opinar sobre o livro Cecília teria escrito que “aquele volumezinho era precisamente o que menos caracterizava o autor.” Dupla decepção?
                                         
         
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    A primeira vez que ouvi falar em Jorge Luís Borges, foi em Buenos Aires, 1960. O entusiasta era o secretário da Ordem do Advogados, de lá, cujo nome não lembro mais. O livro que me foi presenteado: El libro de arena. Daí, então, sobre o autor, só ouvi elogios: gênio, merecedor do Nobel e muito mais. Lí outros livros dele, não entendia nada, mas gostava da maneira como ele dizia certas coisas. Sublinhava-as.

Mas, eis que recentemente me chega as mãos o livro de Antônio Torres, intitulado “Sobre Pessoas”, onde as paginas 98, ele inicia uma crônica sob o título de “O lado infame do genial Borges”. Fico perplexo: Borges, infame? Lá vem fofoca, pensei. Continuei a leitura e na verdade fiquei pasmo. Para não acrescentar um conto, copio o que escreveu Antônio Torres:

“A Página do ABC de 12 de junho de 1999 é assinada pela jornalista argentina Carmen de Carlos. Título: Em la intimidad de Borges. Trata-se de uma recordação da sua cozinheira, Epifania Úveda de Robledo, a Fanny, que durante quase 40 anos o vestiu de los pies a la cabeza.“O senhor Borges costumava receber em sua casa. Um dia apareceram umas brasileiras, que conversaram durante toda a tarde. Ao despedirem—se, ele me chamou correndo, ansioso para que eu lhe descrevesse as visitas, fisicamente, como sempre fazia. Comecei pelo mais óbvio, dizendo-lhe que eram negras. “Como negras?” – perguntou, estupefato. “Por que não me disse isso antes? Que horror! Se soubesse disso, eu as teria escorraçado. Saia, fora daqui, você também”. Parece que as autoridades que escolhem o autor a receber o Nobel não levam em conta só a qualidade da obra do autor, mas o caráter, também. Helás!
                       
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Uma das mais belas viagens que fiz foi ao Chile. O roteiro era Santiago, Valparaiso, Porto Mont, Lagos chilenos, Bariloche. Mas, não é propriamente da viagem que vou falar agora, mas de remorso. É que lendo o livro de “A literatura na Poltrona”, de José Castello, ele descreve as três famosas casas de Pablo Neruda, das quais sabia da existência, mas não visitei nenhuma.

E uma dela está bem no centro de Santiago, no cerro San Cristóbal; a outra em Valparaiso e a terceira no balneário de El Quisco, chamada Isla Negra, embora não se trate de uma ilha. Invenção do poeta. A proximidade do mar. Cada uma delas tinha  nome. A de Santiago chamava-se La Chascona, que significa “descabelada” era uma homenagem a sua terceira mulher Matilde Urrutia, famosa por seus cabelos sempre revoltos; a de Valparaiso chamava-se La Sebastiana, em homenagem ao construtor da casa o espanhol Sebastián Callado. 

As casas estão plenas de histórias. La Sebastiana por exemplo “foi invadida, saqueada e parcialmente destruída por simpatizantes da ditadura e também por anticomunistas que não perdoavam os vínculos de Neruda com o Partido Comunista chileno”. Nos jardins da casa de Isla Negra estão enterrados os corpos de Neruda e sua terceira mulher, Matilde Urrutia, La Chascona. Isla Negra foi a primeira a ser construída e a que escolheu (?) para ser a sua última morada. Por isso, se fosse poeta, de remorso, poderia
 “escribir los versos mas tristes esta noche...






quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Do meu “Baú de letras”
Um dia desses me perguntaram quem eu era. E eu não soube dizer quem sou. Sei que sou, mas não sei dizer quem sou. Sou.
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Pegando, casualmente, na minha estante, o “Perto do Coração Selvagem”, de Clarice Lispector, lá está na página número 21:  “É curioso como não sei dizer quem sou”. Eco?
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Enquanto envelhecemos nossos amigos mortos permanecem com a mesma idade em nossas lembranças. Só os vivos envelhecem.
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Um livro tem tantos autores quantos forem os seus leitores. Ninguém lê o livro que o autor escreveu.
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Quantos seriamos se todos os nossos amigos resolvessem escrever nossa biografia                              
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                  O treinador agarrou o atleta pela cintura, deu o impulso e ele ergueu os braços, agarrou as argolas e crucificou-se no ar.
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Aprendi que, Bashô, o nome do fixador da  moderna forma do haikai, significa: “bananeira”. A bananeira é uma árvore estranha. Só dá um cacho de cada vez. Cortada. Renasce do próprio tronco. É assim o haikai, nascido do tronco de um tanka?
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É difícil traduzir em palavras o significado de um olhar.
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              Quando me sinto solitário pego um livro e povoo a minha solidão.

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               Tudo que havia de bom em ti,  recolhi como acervo em mim.

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        Aos noventa e tantos, quem é antigo para mim?

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Se os meninos de quatro ou cinco anos já se comunicam virtualmente e eu ainda estou aprendendo, quem é mais novo? Eles ou eu? Se eles já são senhors eu ainda sou junior?

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Eu gostaria muito de entrar pela porta estreita, mas, quem tem a chave?

sábado, 6 de setembro de 2014




Nunca tinha ouvido falar em Nicanor Segundo Parrra Sandoval, mais conhecido como Nicanor Parra, nascido em 5 de setembro de 1914, no povoado chileno de San Fabian, morando atualmente em Las Cruzes, a cerca de 100km de Santiago, com vista para o Oceano Pacifico. Que belo, que deve ser!

E sim de sua irmã, Violeta Parra, cantora e compositora, de quem muito se falou e ouviu nos anos da música de protesto. Quem de certa idade não lembra de seus dois grandes hits na voz de Mercedes Sosa: “Volver a los 17” ou “Gracias a la vida”? Que me há dado tanto, digo eu.

Pois é, diz a reportagem, de duas páginas de o Globo, de 7 junho, que ele é o poeta maior do Chile, várias vezes cotado para o Nobel, e que o país se prepara para oferecer-lhe uma grande festa, em setembro próximo, para comemorar o seu centenário.

A certa altura da entrevista, que ele diz não costuma dar,  informou ao repórter Guilherme Freitas, (enviado especial a Las Cruces, para entrevista-lo), que: “A grande questão da literatura é: como fazer uma frase? Parei de escrever quando percebi que nenhum poema se compara às frases de uma criança. Agora o que faço é anotar o que elas dizem.”

Nem acabei de ler esse trecho da entrevista e fui logo ligar o computador e digitar no Google o nome de Pedro Bloch, médico, fonoaudiólogo, teatrólogo, jornalista e escritor, ucraniano, naturalizado brasileiro que nos anos 50 fazia grande sucesso com suas peças: “Dona Xepa” e “As mãos de Eurídice”, monólogo representado por Rodolfo Meyer.

Não sei se é exagero do informador, mas, ele diz que o ator o representou esse monólogo três mil vezes, que a ele foi levada ao palco em quarenta e cinco países, com oitocentas mil representações mundiais e que no Reino Unido foi produzida por ninguém menos que Sir Sean Conery, o grande interprete dos primeiros 007.

Pois bem, Pedro Bloch não parou de escrever, mas no seu consultório, começou a registrar frases ou intervenções de crianças e publicou vários livros, contendo esses registros. Fez muito sucesso, na época. Também me lembrei de Picasso, que teria dito que levou “toda a vida aprendendo a pintar como uma criança”. Aprendeu?

Parabéns a Nicanor, parabéns ao Chile, que sabe referenciar seus poetas, a quem, agora,  ofereço a estrofe final de Gracias ha la vida”:

“ ...............................................................
Gracias a vida, que mi ha dado tanto
Me ha dado la risa y me ha dado el llanto
Así yo distingo dicha de quebranto
Los materiales que formam mi canto
Y el canto de ustedes que es el mismo canto

Y el canto de todos que es mi proprio canto”.

quinta-feira, 7 de agosto de 2014



                              Cogumelo atômico


                               06/08/2014 – Dizem os historiadores, que na data de hoje , em mil novecentos e quarenta e cinco, o dia amanheceu quente e úmido em Hiroshima. Que estava tudo normal apesar da guerra. Mas que subitamente as sete horas e sete minutos soaram os alarmes anunciando a iminência de um bombardeio aéreo. Alguns minutos depois surgiram nos céus da cidade quatro B-29, mas não houve nada. Os habitantes pensaram em provocação. E a vida retornou em seu ritmo de sempre.


 
        Pouco depois, as oito horas, surgiram mais três B-29 e dessa vez as sirenes não tocaram. Um dos aviões era pilotado pelo tenente-coronel Paul Tibbets e chamava-se Enola Gay. era o nome da mãe do comandante Tibbets. Dentro do avião estava a bomba atômica com o nome de Little Boy e um poder destrutivo de quinze mil toneladas de dinamites. Estranho feto esse da senhora Enola Gay. As oito e quinze, em ponto, Enola abortou Little Boy sobre Hiroshima, que explodiu quarenta e três segundos depois a quinhentos e oitenta metros de altura, justo sobre um hospital de civis.

Hiroshima desapareceu sobre um enorme clarão enquanto no ar formou-se um estranho cogumelo, mais tarde chamado de “cogumelo atômico”. A bomba foi assim descrita: Little Boy tinha três metros de comprimento; setenta e três centímetros de diâmetro; quarenta e cinco toneladas de peso; a energia de quinze toneladas de TNT; raios quentes entre 2980ºC e 3882ºC no ponto zero, provocando incêndios que se espalharam por vários quilômetros. Resultado: setenta e cinco mil mortos e mais de cem mil feridos. O que teria sentido Enola Gay, a mãe do tenente-coronel Tibbets, quando soube de tudo isso!?  Até hoje, as sequelas ainda são visíveis. Com esse abominável parto, os americanos inauguraram a era atômica.

Muita gente tentou explicar, justificar, condenar ou representar – a bomba. Na literatura, nas artes plásticas, na poesia, na música, no cinema. Vendo agora na televisão as notícias sobre este doloroso aniversário, me lembrei particularmente de duas manifestações artísticas desse fato histórico: o filme “Hiroshima meu amor”, de Alain Resnais, que levantou tanta celeuma e o poema de Carlos Drumond de Andrade, “A Bomba”, no seu livro “Lição de Coisas”, de mil novecentos e sessenta e dois:
“A Bomba
Tem 50 megatons de algidez por 85 de ignominia:
..........................................................................            A bomba
Não destruirá a vida
O homem(tenho esperança) liquidará a bomba...”

Não liquidou. Disseminou-se.  E a energia nuclear é uma ameaça permanente. Eu acho que foi a maior ferida da humanidade, do século XX. Sua cicatriz atravessará os séculos. A televisão pode ter os seus pecados, mas, ela, com o poder da imagem não vai nos fazer esquecer: Almogardo, Biquíni, Hiroshima, Nagasaki – nunca mais! Nunca mais!



domingo, 13 de julho de 2014

                         


               

Ser ou não ser macaco

O affair discriminativo do torcedor que jogou uma banana no jogador Daniel Alves e a decisão de descasca-la e come-la, em campo, durante o jogo do Villarreal e Barcelona, no dia 27/04/2014, tem dado muito pano pras mangas, ou melhor, muita banana pros cachos. Até eu! E porque não?

Há os que louvaram o gesto e desenvolveram uma campanha com os dizeres de que “Todos somos macacos”, e outros que condenaram, achando que isso só faz piorar o racismo. Creio que estes venceram, pois, não li ou vi nada mais a respeito. Havia negros de ambos os lados. Os contra eram ou são os mais raivosos. Os a favor eram mais bem humorados. Prefiro esses.

Eu, mulato assumido, sou a favor da campanha, por duas razões: primeira, consultando a galeria de fotografias de macacos do Google confirmei a minha ideia de que como os homens e mulheres (para ser politicamente correto), existem macacos e macacas de várias tonalidades: preto, vermelho, esbranquiçados, sararas... De que cor seria o que jogou a banana?

 Segundo, não tenho preconceito contra os macacos ou qualquer outro bicho. Pois, se você crê em Deus deve acreditar que eles foram criados por Ele, com alguma serventia; se confiarem na ciência, darão credito a campanha, pois de acordo com André Langaney “O homem não descende do macaco, como geralmente se diz. Ele é um macaco”...””São os nossos genes, essas porções de cromossomos encerrados em nossas células, que determinam o que nós somos: indivíduos da espécie humana. Pois bem, os genes humanos não são, em absoluto, originais. A maior parte desses genes é idêntica aos dos chimpanzés.” E por ai vai.

Esses dados foram extraídos do livro “A mais bela história do Homem – De como a terra se tornou humana”. Da Difel. O livro é um diálogo entre André Langaney, Jean Clotes, Jean Guilaine e Dominique Simonnet. Na ocasião, Langaney pertencia a equipe do Museu do Homem, de Paris.

Essas notas veem a propósito da leitura do artigo “Humanizar, sim, macaquear não”, assinado pela juíza de direito e psicanalista, Maria do Socorro M. Bulcão, no Diário do Nordeste, de 8/06/14. Ora, juíza, grande parte dos especialistas que se manifestam sobre o comportamento dos brasileiros, dizem que nós somos peritos mesmo é em macaquear estrangeiros. Quem sabe a senhora já não  disse, algumas vezes?


No momento em que um dos principais assuntos no mundo é o controle do meio ambiente, seria interessante pesquisar quem mais o polui: o homem ou o macaco? Pense apenas nas árvores. Os homens preferem trata-las a motosserra; já, os macacos, habitando-as, conservam-nas inteirinhas, para utilidade deles e sorte nossa. E se divertem pulando de galho em galho, dando muito trato a paciência dos Sebastião Salgado, da vida, querendo documenta-los. Gaiatos. Quem sabe se nós assumíssemos um pouco do nosso lado chimpanzé o mundo não seria melhor?

Variações sobre a copa do mundo
                                         
                                                                                                                                             
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Li um artigo de famoso articulista, cujo nome me escapa, agora, dizendo que os jornalistas brasileiros previam que a Copa do Mundo, que ora se realiza com bastante sucesso, seria um grande fracasso nacional e internacional. Seria uma vergonha para o Brasil. Pois, apenas os estádios, alguns ainda em obras, foram inaugurados. E a mobilidade? E os aeroportos? E o calor?
Creio que li até esse próprio jornalista repetindo essa ladainha, que, para bem da verdade, não era só dos jornalistas, mas de grande maioria dos brasileiros. Eu mesmo, que não sou “adepto”, como diria um português, ouvi amigos ou conhecidos repetirem o chavão inúmeras vezes.
Esqueceram que o futebol é uma paixão mundial. Independe de nacionalidade, idade, cor, religião ou físico. Coloca uma bola diante de uma criança que ainda não tenha dado nem um passo para ver se o primeiro gesto não é chuta-la. Girando-a sobre um dedo parece um deus contemplando o mundo. Para que os estádios ficassem cheios não precisava essa orgia de beleza arquitetônica das doze arenas.  Mas o design da brazuca, ganhou. É muito bonita.
Trinta e duas seleções representam trinta e dois países  diferentes em língua, cor, religião, costumes... Mas o futebol não precisa de interprete, as seleções em campo falam a mesma língua, cuja principal figuração é: um chute e a bola atravessar a trave, e o grito em uníssono de metade da arquibancada: gooooool! Porque o som da que sofreu o gol é: o silêncio, lágrima, ou um bom palavrão, tão válido quanto o gol.                                
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Repito: não sou “adepto”. Mas quando o Brasil não está jogando, torço por qualquer seleção americana ou africana. Manaus, na década de vinte, do século passado, quando eu nasci, era um cidade quase isolada. Não me lembro de na infância ter torcedores na minha casa. Jamais ganhei uma bola de presente. Havia clubes: o Rio Negro, o Nacional, o Olímpico. Frequentei os dois últimos, mas nos bailes de carnaval. Nem sei se havia estádio.
Lembro que, na esquina da “7 de setembro” com “Eduardo Ribeiro”, havia uma casa de comércio, se não engano chamada “Quatro e Quatrocento”, em que havia  um alto-falante que transmitia música diariamente. E num certo dia para o um grande público, a copa do mundo. Lembro apenas que um dos jogadores tinha o apelido de “Diamante Negro”. Quando?
Depois, fui para o Rio de Janeiro e apesar de ser amigo de  torcedores fanáticos, não me contagiei. Cheguei a ser sócio do Flamengo, por razões de amizade. Um dos diretores do clube era meu colega de trabalho e o clube estava fazendo uma campanha para angariar novos sócios. Fui nessa, mas nunca pisei em seu estádio ou salões.
Por último, quase apanho ou sou expulso da casa de uma família amiga, onde assistíamos o jogo Brasil X Uruguai, em 1950. A alegria era geral. No momento em que aconteceu o gol que eliminou o Brasil da copa, o silêncio fúnebre que se seguiu era como se tivesse havido uma perda na família. Não sei se nervoso ou atônito comecei a rir. Não entendia aquilo. Claro, não era um torcedor. E então a raiva virou contra mim. O jeito foi sair discretamente e dias depois pedir desculpas aos meus então anfitriões. Nunca mais aceitei convite para assistir jogo na casa de ninguém. Ia ao cinema nos dias de grandes competições. Agora fico em casa sozinho. Ouvindo o zumbido das torcidas  e  o espocar dos rojões, ao longe.

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Nesta copa, estão presente seleções de vinte e três países: Brasil, Argentina, Uruguai, Colômbia, Chile, Equador, da América do Sul; Estados Unidos, México e Canadá, da América do Norte; Costa Rica, Honduras, da América Central; Japão, Coreia do Sul, Irã, da Ásia; Costa do Marfim, Nigéria, Camarões, Gana, da África; França, Inglaterra, Itália, Alemanha, Bélgica, Grécia, Espanha, Suiça, Rússia, Holanda, Bósnia-Herzegovina, Croácia, Portugal, da Europa; Austrália, da Oceania. Cinco continentes. Línguas: inglês, francês, alemão,  japonês, coreano, croata, português e os vários dialetos dessas línguas.
Se contarmos só as equipes, são: 704 jogadores a disputarem 64 jogos. Como lidar com toda essa gente num país monoglota? Em que até os países de língua espanhola não nos entendem? Seria interessante observar as várias maneiras como nos comunicamos com esses estrangeiros, principalmente se observarmos que somos um país continental e sabendo que houve jogos no Rio Grande do Sul e em Manaus, onde muitas palavras do nosso cotidiano são as vezes estranhas até a nós mesmos. Claro que a mímica é grande comunicadora. Mas, nem sempre.
Porque tanta reclamação sobre o clima? As equipes brasileiras jogam em temperaturas as mais diversas, assim como altitudes e nem reclamam. Se preparam, é claro.  Quer dizer que os gringos do primeiro mundo são mais fracos do que nós os negros, mulatos e brancos do terceiro? Mais uma pesquisa a ser feita. E quem sabe: bingo! Somos mais fortes mesmo.

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Ir ao estádio para assistir ao jogo é emocionante, mas a televisão, hoje, nos dá detalhes que jamais serão vistos por aqueles. Por exemplo, as grandes jogadas, os dribles, as faltas, as agressões, como as sofridas por Hulk e depois em tristes proporções por Neynar, feitas pelo mesmo jogador colombiano. Agressões testemunhadas. E quem sabe, não punidas.
Divertido é ver de perto a reação dos torcedores na plateia, principalmente quando eles não percebem a câmera: olhos, bocas, gestos, murros no ar, choros e até boas sonecas, no meio de toda aquela euforia.
Pena que não tenham convidado um dos nossos grandes carnavalescos parra fazer a festa de abertura. Pois, como estamos vendo, o grande sucesso da copa foi e é a sua carnavalização pelos torcedores. Melhor e mais animado, mais espontâneo e mais barato do que qualquer carnatal, fortal ou que nome tenham, esses murados carnavais fora de época. Bastou um palco e um telão, numa praia ou numa praça e a festa está feita. E é só de quatro em quatro anos, também uma catarse política?



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