sexta-feira, 21 de setembro de 2018


Há quarenta anos esta noite - VI

Gosto muito de ler. Era então natural que uma das primeiras coisas que procurasse na cidade fosse, livrarias. Qual não foi a minha decepção ao ver que só existiam duas: a “Livro Técnico”, na Praça do Ferreira e a “Renascença”, na Rua Major Facundo. Ambas no centro da cidade. Hoje, desaparecidas. Havia muitas livrarias de livros escolares. Mas livrarias para leitores de literatura mesmo, só essas duas.
Comecei, então a frequenta-las. Aí, vi que os estoques pouco se renovavam. Como comprava semanalmente o Jornal do Brasil e o Correio da Manhã, do Rio; e a Folha, de São Paulo, nas Bancas de Jornais da Praça do Ferreira e lendo os seus suplementos literários de sábados e domingos, estava sempre atualizado no que se publicava. Mas demoravam a chegar aqui ou vinham apenas dois ou três exemplares. Alguns já reservados aos figurões locais. Apelava, então para os meus amigos no Rio ou São Paulo.
Algum tempo depois, inaugurou-se a Moderna, na Aldeota, próxima ao Center Um. O gerente, Ari, era o mesmo que me atendia na Livro Técnico, da Praça do Ferreira. Estava protegido. Ia lá semanalmente. Fechou. A Nobel, na Dom Luís, também não demorou muito. Com a inauguração do Iguatemi foi inaugurada também a Siciliano, que perdura até hoje. Agora comprada (?) pela Saraiva. A única coisa que mudou foi o maior acervo de livros de direito da Saraiva. No mais, continua a preferência da Siciliano por best-sellers e auto-estima.
Hoje, a cidade está muito bem suprida de livrarias. Existem vários shoppings e cada um deles tem uma livraria, como: a Saraiva no Iguatemi e North Shopping, a Leitura no Del Paseo e no Rio Mar. Fora dos shoppings, existem a Nobel e a melhor de todas: a Cultura. Cito essas porque são as que mais frequento. Mas deve haver outras, pois me parece que o cearense está lendo muito mais agora do que quando cheguei aqui. Um dos grandes chamariz é o lançamento de livros de blogueiros e de padres católicos, nos shoppings. Superlotam. Antes pouco do que nada.

quarta-feira, 5 de setembro de 2018


Há quarenta anos esta noite - V
Um dos aspectos da mudança ao qual tive mais atenção – foi a linguagem. Como já tinha uma certa deficiência auditiva, quando cheguei aqui, tive que redobrar a minha atenção ao ouvir os cearenses. Como falam rápido. E como acontece em qualquer região do Brasil teem um dialeto, com vocabulário, expressões, gestual e musicalidade, próprias.
Mesmo quando viajo gosto muito de prestar atenção a maneira de falar de meus conterrâneos. Como, por exemplo, os pequitititos diminutivos dos amazonenses ou o som da vogal “o” quase sempre transformada em “u”; ou a indicação: “ali”, sempre transformada em “ali bem”, pronunciada com um leve espichar do lábio inferior. O “uai sô”, dos mineiros; ou os “barbaridad tchê”, dos gaúchos; o “r” dobrado dos caipiras paulistas: porrta, corrda; ou os excessos de “ss” dos cariocas. Sem malicia, só o prazer da diversidade.
Em Fortaleza, anotei algumas palavras típicas ou usadas de maneira particular, que hoje, em virtude talvez da televisão e da grande mobilidade das populações, não existem mais. Quando cheguei aqui ouvia me perguntarem: “que hora é essa”, para, que horas são?; “diga aí”, para o que é que há? “Acochar”, para apertar; “rebolar” para jogar fora; “brechar” para espiar. As palavras: mulher, filho, velho, sempre em corruptela: muié, fio, fia, véia, véio. Isso até em pessoas de boa escolaridade.  Muitas das expressões maliciosas desapareceram, como: “pai d´egua”, “arre égua”,” baitola”. Costumam, ainda, comer os “ss” e “rr” finais das palavras ou trocar o para, por “pa”.
Não tenho nenhuma pretensão de crítica, pois não tenho credenciais gramaticais ou lingüísticas, para tal. Mesmo porque essas especificidades se verificam em todas as regiões. Em algumas nos identificamos nacionalmente, como nos: “marmenino”, “mermo assim” e outras que não me ocorrem agora e não vem ao caso.
O que mais me chamou atenção, quando cheguei aqui, foi o apodo de Zé. Era seu Zé pra cá e seu Zé pra lá e eu fazendo força para engolir em seco o tal de Zé, que não queria em mim.
- Seo, Zé, me dê uns trocadin.
- Seo,Zé, me dê umas foia de mamoero.
Eu que tivera tanto trabalho para ser chamado pelo meu pré nome, de que tanto gosto, ver-me de repente transformado num Zé qualquer. Mas foi coisa de instante e ontem como hoje continuo a ser o Alberto de sempre. "Garra a Deus!”, como dizia uma de minhas tias afim.
Mas foi justamente esse Zé, continuado ou não, que me chamou atenção para a minha nova condição de, embora nacional, migrante. E me impreguinou de tal forma que hoje me pareço um amazonense meio carioquisado e ciarensisado: nortista, sudestino, nordestino. Arre égua, macho velho!

Deixe aqui o seu nome e o seu comentário

Widget is loading comments...