sexta-feira, 18 de maio de 2018


O que comiam?

Embora a cozinha amazonense seja a base de peixe, na fazenda comia-se muita carne. De boi, porco, galinha e alguma caça. Sempre ouvia dizer que carne rendia mais, quando se tinha muita gente para comer. E era mais fácil e mais rápido de preparar e guardar. A carne de boi vinha do curral. Periodicamente matava-se um. Ver matar um boi foi uma experiência traumática para mim. Fiquei muito tempo visualizando a cena. Parte da carne era secada ao sol e armazenada. Assim como o peixe.
Creio que a maior parte da energia alimentar consumida, vinha do café da manhã pela sua diversidade. Sempre fartíssimo: café (torrado e pilado em casa), leite (colhido diariamente), coalhada, queijo, macaxeira e batata doce cozida, tapioca, beiju, cuscuz de milho ou arroz, jirimum cozido amassado num prato fundo com leite e açúcar, bolachas ou roscas, industrializadas. Era de ver o vai e vem das pessoas servindo a mesa de todas essas iguarias fumegantes. O silêncio era de claustro. Na mesa não se falava. Comia-se. A única voz a se ouvir era a de meu avô, a cabeceira, distribuindo as tarefas do dia, a seus colaboradores.
O almoço era habitualmente um fartíssimo cozido (carne, macaxeira, batata doce, jirimum, banana pacovã), arroz, feijão (da plantação) e farinha.  A farinha era indispensável a qualquer hora. Qualquer um que passasse por uma vasilha cheia de farinha, tirava um punhado e levava a boca com tanta destreza que não caia um farelo sequer. As farinhas são de várias espécies: dágua, seca, surui. Cada uma com sua especialidade. Nos dias comuns não havia sobremesa. 
Nos domingos, com menos gente, o cardápio variava: peixe frito ou assado, galinha a cabidela, sempre acompanhados de arroz e farinha. Ou só de farinha. Nesses dias comia-se sobremesa: doce de leite ou de goiaba, feitos em casa, por minha avó; ou arroz doce, preparado por uma das tias, deliciosos. Melancia, melão, manga, laranja, tangerina, goiaba ou araçá, banana (pacovã, baié, maçã, São Tomé), cajás, pitangas, pitombas, jaca, abiu, cajarana eram frutas do trivial, não eram sobremesa. Comia-se a qualquer hora. Ainda sinto seus cheiros e sabores.

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