sexta-feira, 20 de julho de 2018


Há  quarenta anos esta noite - II      

A mudança não foi fácil. Principalmente para minha mãe e minha irmã. Morávamos na Rua Djalma Ulrich, em Copacabana, onde tínhamos de tudo: amigos, parentes, serviços, diversão, em cada quarteirão... e de repente mudar para a Avenida Jovita Feitosa, na Parquelândia, recém asfaltada e com plantações no meio fio que não sabia se iam vingar sob tanto sol ardente e ventos fortes. Na avenida, na época, não havia uma casa de comércio. Foi fogo! Mas com a ajuda dos parentes tudo se arranjou.
Tivemos que nos reeducar em algumas coisas já esquecidas e nos adaptarmos em outras. A alimentação foi uma delas. Há quarenta anos as feiras de Fortaleza ofereciam somente o mais trivial, em matéria de hortaliças. Oriundos do norte, onde não usávamos muito essa forma de alimento, facilmente nos adaptamos a eles quando mudamos para o Rio de Janeiro. Aqui, voltamos a nos privar de espinafre, couve-flor, jiló (uma das preferências de minha mãe), chuchu, abobrinha, beterraba, beringela, batata baroa... Hoje, tem tudo isso e muito mais.
Eu tive que aprender a fazer compras de casa. Supermercado, por exemplo. O rancho, que aqui dizem fazer o "mercantil". Ir a feira, outra aprendizagem. Procurei fazer amizade com os feirantes, falando-lhes francamente da minha inexperiência e eles foram muito simpáticos. Me ensinaram a escolher o peixe (o brilho dos olhos, a cor da guelra; a apalpar as frutas sem machucá-las...). Fiquei mestre e fiz amigos. Hoje, sou um dos grandes apreciadores das feiras livres  e dos grandes super mercados. Embora só faça esses, atualmente.
Nota - Ainda existem feiras, mas a novidade dos supermercados as substituíram em quase tudo: Éxtra,  Carrefour, Cometa, Pão de Açúcar, São Luís, G. Barbosa, Assaí...praticamente existe pelo menos um em cada bairro da cidade.

terça-feira, 10 de julho de 2018


 Há quarenta anos esta noite - I

(O título é parecido com o do filme de Louis Malle: "Le feu follet",  de 1963, que recebeu no Brasil o apelido de "Trinta anos esta noite". E do livro de Paulo Francis, intitulado, "Trinta anos esta noite ou O que vi e vivi". O filme conta a história de um homem atormentado em busca de si mesmo, muito bem interpretado por Allan Delon. Aqui, porém, não se falará de um ser tão atormentado mas com certeza de um pouco do que vi e vivi nesta cidade, nestes últimos quarenta anos).
 No dia 6/07/1978 – Tomei um avião da Cruzeiro do Sul, no Aeroporto do Galeão Rio de Janeiro, voo de 15h30min, com destino a Fortaleza, Ceará, onde cheguei as 20h10min. Tomei um táxi e vim para a casa de  Maria Anunciada, viuva de meu tio Epitácio, na rua Silva Paulet, nº 650, onde já estavam hospedadas Tia Coló e Maria.
Tentava conter a emoção. Afinal, eram trinta anos de Rio de Janeiro, que estava deixando para trás. Quando mudei para o Rio, em 1948, era todo excitação. Tinha vinte e sete para vinte e oito anos. Estava, agora, as vésperas de cinquenta e oito. O estado de espírito era outro. Me adaptaria?
Estava me aposentando e resolvi mudar-me para uma cidade menor, que já conhecesse e tivesse relações de amizade ou parentes. A escolha estava entre Manaus e Fortaleza. No início do ano, pedi a Tia Coló e Maria que passassem uma temporada nessas duas cidades e decidissem em qual das duas prefeririam morar, uma vez que já tinham decidido que me acompanhariam. Assim foi feito.
Em junho, recebi um telefonema de Maria, de Fortaleza, dizendo que eu poderia preparar a mudança para essa cidade. Elas não voltariam. Ficariam a minha espera. Para me certificar fiz uma rápida viagem a Fortaleza. Confirmada a escolha, pedi a Eduardo que nos alugasse uma casa, pequena, confortável e se possível com quintal. Estava farto de apartamento.
Ficamos hospedados na casa de Anunciada até a chegada da mudança e limpeza da casa que José Eduardo  alugara para nós: Avenida Jovita Feitosa, nº 2334, Parquelândia. A casa era muito grande para três pessoas idosas, muito simples e de tão poucos trastes. Tinha sala, três quartos, sala de refeições, cozinha e quarto de empregada. A lavanderia era fora. Era um verdadeiro festival de cores: amarelo, azul, verde, rosa, e preto. Providenciei uma nova pintura: tudo gelo ou areia. Não suportaria tanta alegria vinte e quatro horas por dia.
Nessas casas antigas, as salas de refeições são sempre muito grandes. Maiores do que as outras dependências, principalmente em relação aos quartos. Quase sempre pequenos e estreitos. Difícil caber folgado cama e guarda-roupa. Ainda o hábito de dormir em rede e guardar as roupas em malas ou baús? E as salas de refeições tão grandes? Para reunir em torno das compridas mesas a família numerosa, os parentes, os hóspedes e os aderentes? Pronta a limpeza, mudamos.          
As razões da mudança? Estava me aposentando e não queria continuar trabalhando, pelo menos no que vinha fazendo. Se ficasse no Rio de Janeiro não poderia rejeitar as propostas que me tinham sido feitas. Devia muito a algumas dessas pessoas, mas resolvi seguir a mim mesmo, dai por diante. Estender a minha disponibilidade que era parcial a total. Estava com cinquenta e oito anos e trabalhava desde os doze – quarenta e seis anos. Acreditava ter direito de entrar para a confraria dos vagabundos remunerados, os aposentados. Sem remorso.
Nota - quando me mudei de Manaus para o Rio de Janeiro, em 1948, viajei também, num avião da Cruzeiro do Sul. O comissário, muito meu amigo, prognosticou que eu não aguentaria seis meses. Fiquei trinta anos, por escolha e prazer. E agora? Quantos?

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