quinta-feira, 22 de março de 2018



Os arredores da casa
 Toda fazenda que se presa tem que ter casa de farinha e curral, com seus cheiros e sons peculiares. Na casa de farinha preparava-se a farinha seca e dágua e os ingredientes para o beiju, a tapioca, o carimã e o tucupi. Antes de se usar a mandioca ela era posta de molho num grande cocho de madeira, suspenso. Depois que se tirava a mandioca, era comum mandar os meninos banharem-se naquela água fermentada, para tirar o panema. Depois, banharem-se no rio e ficarem fortes.
Do curral, vinha o cheiro do estrume, o mungido dos bois, o relincho dos cavalos e a melancolia dos aboios. O estrume seco de boi servia para defumar os ambientes, onde havia carapanãs e outros insetos. Do leite, além de bebê-lo, fazia-se o queijo, o doce, a coalhada. Os meninos eram levados até o curral, de manhã, para beber leite mungido, quentinho, branco, espumoso, assim que saído do úbere das vacas. Depois, banho de rio. E crescer com saúde. Cresci.
Atrás da casa havia uma alameda de grandes mangueiras, tendo de um lado uma espécie de laranjal, ah! Se Chanel senti-se o perfume de suas flores, seria o nº 6? Era no tempo em que o buquê de casamento das noivas, virgens, eram com elas confeccionados. Pois a flor da laranjeira é o seu símbolo. Do outro lado, pés de goiabeiras vermelhas e brancas e de acidíssimos araçás.
Muito tempo depois, soube que os lugares banhados por rios de águas barrentas tem mais insetos que os de águia preta. Questão de química. Era o caso da fazenda que ficava as margens do Solimões, de água barrenta. Então, de dia tínhamos que espantar as mutucas e de noite os carapanãs, essas, com seus infernais zumbido agudo. E onde elas procuravam tocar sua flauta? Justo no ouvido dos mortais. Dai, perfumar-se as noite com a queima dos estranhos blocos, arredondados, de estrume bovino. E dormir de mosquiteiro. Dormimos.

Um comentário:

  1. Ótimas essas descrições. Cada vez menos temos a possibilidade de
    encontrar rios barrentos ou de "água preta". E de sentir odores como o dos currais, laranjais e ... o que mais? Os cheiros da infância.

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