sábado, 1 de novembro de 2014



                   Preconceito/Decepção/Remorso

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       Um pequeno livro intitulado “Cecília em Portugal”, de Leila V. B. Gouvêa, da Iluminuras, reconstitui a trajetória da primeira viagem de Cecília Meireles em Portugal, mas conta  também a história de uma grande decepção. Para não ser infiel, transcrevo:

“Naquela noite fria e chuvosa de dezembro, o A Brasileira do Chiado ia ficando enevoado de fumaça. Mais um pouco, faria duas horas que ali estavam à espera. Faltando pouco mais de dez dias para a volta ao Brasil, surgira, afinal a oportunidade de conversar com aquele extraordinário poeta, cujos poemas vinha lendo, nas revistas portuguesas que recebiam em casa, desde a década de 20.

Fernando sugeriu que desistissem. Ela ainda tentaria persuadi-lo a aguardar um pouco mais. Mas acabou concordando em retirar-se”. Fernando era o marido de Cecília e o esperado era o, na época, não tão famoso Fernando Pessoa. Pessoa era metido a exotérico. E teria recebido avisos dos astros para não comparecer ao tal encontro. Dias depois ela recebeu no hotel um exemplar do seu primeiro e único livro publicado em vida: Mensagem. E dizem que no espólio do poeta há um lacônico cartão acusando o recebimento do livro: “Cecília Meireles – cumprimenta e agradece”. Tempos depois ao opinar sobre o livro Cecília teria escrito que “aquele volumezinho era precisamente o que menos caracterizava o autor.” Dupla decepção?
                                         
         
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    A primeira vez que ouvi falar em Jorge Luís Borges, foi em Buenos Aires, 1960. O entusiasta era o secretário da Ordem do Advogados, de lá, cujo nome não lembro mais. O livro que me foi presenteado: El libro de arena. Daí, então, sobre o autor, só ouvi elogios: gênio, merecedor do Nobel e muito mais. Lí outros livros dele, não entendia nada, mas gostava da maneira como ele dizia certas coisas. Sublinhava-as.

Mas, eis que recentemente me chega as mãos o livro de Antônio Torres, intitulado “Sobre Pessoas”, onde as paginas 98, ele inicia uma crônica sob o título de “O lado infame do genial Borges”. Fico perplexo: Borges, infame? Lá vem fofoca, pensei. Continuei a leitura e na verdade fiquei pasmo. Para não acrescentar um conto, copio o que escreveu Antônio Torres:

“A Página do ABC de 12 de junho de 1999 é assinada pela jornalista argentina Carmen de Carlos. Título: Em la intimidad de Borges. Trata-se de uma recordação da sua cozinheira, Epifania Úveda de Robledo, a Fanny, que durante quase 40 anos o vestiu de los pies a la cabeza.“O senhor Borges costumava receber em sua casa. Um dia apareceram umas brasileiras, que conversaram durante toda a tarde. Ao despedirem—se, ele me chamou correndo, ansioso para que eu lhe descrevesse as visitas, fisicamente, como sempre fazia. Comecei pelo mais óbvio, dizendo-lhe que eram negras. “Como negras?” – perguntou, estupefato. “Por que não me disse isso antes? Que horror! Se soubesse disso, eu as teria escorraçado. Saia, fora daqui, você também”. Parece que as autoridades que escolhem o autor a receber o Nobel não levam em conta só a qualidade da obra do autor, mas o caráter, também. Helás!
                       
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Uma das mais belas viagens que fiz foi ao Chile. O roteiro era Santiago, Valparaiso, Porto Mont, Lagos chilenos, Bariloche. Mas, não é propriamente da viagem que vou falar agora, mas de remorso. É que lendo o livro de “A literatura na Poltrona”, de José Castello, ele descreve as três famosas casas de Pablo Neruda, das quais sabia da existência, mas não visitei nenhuma.

E uma dela está bem no centro de Santiago, no cerro San Cristóbal; a outra em Valparaiso e a terceira no balneário de El Quisco, chamada Isla Negra, embora não se trate de uma ilha. Invenção do poeta. A proximidade do mar. Cada uma delas tinha  nome. A de Santiago chamava-se La Chascona, que significa “descabelada” era uma homenagem a sua terceira mulher Matilde Urrutia, famosa por seus cabelos sempre revoltos; a de Valparaiso chamava-se La Sebastiana, em homenagem ao construtor da casa o espanhol Sebastián Callado. 

As casas estão plenas de histórias. La Sebastiana por exemplo “foi invadida, saqueada e parcialmente destruída por simpatizantes da ditadura e também por anticomunistas que não perdoavam os vínculos de Neruda com o Partido Comunista chileno”. Nos jardins da casa de Isla Negra estão enterrados os corpos de Neruda e sua terceira mulher, Matilde Urrutia, La Chascona. Isla Negra foi a primeira a ser construída e a que escolheu (?) para ser a sua última morada. Por isso, se fosse poeta, de remorso, poderia
 “escribir los versos mas tristes esta noche...






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