Variações sobre a copa do mundo
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Li um artigo de famoso articulista, cujo nome me
escapa, agora, dizendo que os jornalistas brasileiros previam que a Copa do
Mundo, que ora se realiza com bastante sucesso, seria um grande fracasso
nacional e internacional. Seria uma vergonha para o Brasil. Pois, apenas os
estádios, alguns ainda em obras, foram inaugurados. E a mobilidade? E os
aeroportos? E o calor?
Creio que li até esse próprio jornalista repetindo
essa ladainha, que, para bem da verdade, não era só dos jornalistas, mas de
grande maioria dos brasileiros. Eu mesmo, que não sou “adepto”, como diria um
português, ouvi amigos ou conhecidos repetirem o chavão inúmeras vezes.
Esqueceram que o futebol é uma paixão mundial.
Independe de nacionalidade, idade, cor, religião ou físico. Coloca uma bola
diante de uma criança que ainda não tenha dado nem um passo para ver se o
primeiro gesto não é chuta-la. Girando-a sobre um dedo parece um deus
contemplando o mundo. Para que os estádios ficassem cheios não precisava essa
orgia de beleza arquitetônica das doze arenas. Mas o design da brazuca, ganhou. É muito bonita.
Trinta e duas seleções representam trinta e dois
países diferentes em língua, cor,
religião, costumes... Mas o futebol não precisa de interprete, as seleções em
campo falam a mesma língua, cuja principal figuração é: um chute e a bola
atravessar a trave, e o grito em uníssono de metade da arquibancada: gooooool! Porque
o som da que sofreu o gol é: o silêncio, lágrima, ou um bom palavrão, tão
válido quanto o gol.
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Repito: não sou “adepto”. Mas quando o Brasil não está
jogando, torço por qualquer seleção americana ou africana. Manaus, na década de
vinte, do século passado, quando eu nasci, era um cidade quase isolada. Não me
lembro de na infância ter torcedores na minha casa. Jamais ganhei uma bola de
presente. Havia clubes: o Rio Negro, o Nacional, o Olímpico. Frequentei os dois
últimos, mas nos bailes de carnaval. Nem sei se havia estádio.
Lembro que, na esquina da “7 de setembro” com “Eduardo
Ribeiro”, havia uma casa de comércio, se não engano chamada “Quatro e
Quatrocento”, em que havia um
alto-falante que transmitia música diariamente. E num certo dia para o um
grande público, a copa do mundo. Lembro apenas que um dos jogadores tinha o apelido
de “Diamante Negro”. Quando?
Depois, fui para o Rio de Janeiro e apesar de ser
amigo de torcedores fanáticos, não me
contagiei. Cheguei a ser sócio do Flamengo, por razões de amizade. Um dos
diretores do clube era meu colega de trabalho e o clube estava fazendo uma
campanha para angariar novos sócios. Fui nessa, mas nunca pisei em seu estádio
ou salões.
Por último, quase apanho ou sou expulso da casa de uma
família amiga, onde assistíamos o jogo Brasil X Uruguai, em 1950. A alegria era
geral. No momento em que aconteceu o gol que eliminou o Brasil da copa, o
silêncio fúnebre que se seguiu era como se tivesse havido uma perda na família.
Não sei se nervoso ou atônito comecei a rir. Não entendia aquilo. Claro, não
era um torcedor. E então a raiva virou
contra mim. O jeito foi sair discretamente e dias depois pedir desculpas aos
meus então anfitriões. Nunca mais aceitei convite para assistir jogo na casa de
ninguém. Ia ao cinema nos dias de grandes competições. Agora fico em casa
sozinho. Ouvindo o zumbido das torcidas
e o espocar dos rojões, ao longe.
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Nesta copa, estão presente seleções de vinte e três
países: Brasil, Argentina, Uruguai, Colômbia, Chile, Equador, da América do
Sul; Estados Unidos, México e Canadá, da América do Norte; Costa Rica, Honduras,
da América Central; Japão, Coreia do Sul, Irã, da Ásia; Costa do Marfim,
Nigéria, Camarões, Gana, da África; França, Inglaterra, Itália, Alemanha,
Bélgica, Grécia, Espanha, Suiça, Rússia, Holanda, Bósnia-Herzegovina, Croácia,
Portugal, da Europa; Austrália, da Oceania. Cinco continentes. Línguas: inglês,
francês, alemão, japonês, coreano,
croata, português e os vários dialetos dessas línguas.
Se contarmos só as equipes, são: 704 jogadores a
disputarem 64 jogos. Como lidar com toda essa gente num país monoglota? Em que
até os países de língua espanhola não nos entendem? Seria interessante observar
as várias maneiras como nos comunicamos com esses estrangeiros, principalmente
se observarmos que somos um país continental e sabendo que houve jogos no Rio
Grande do Sul e em Manaus, onde muitas palavras do nosso cotidiano são as vezes
estranhas até a nós mesmos. Claro que a mímica é grande comunicadora. Mas, nem
sempre.
Porque tanta reclamação sobre o clima? As equipes
brasileiras jogam em temperaturas as mais diversas, assim como altitudes e nem
reclamam. Se preparam, é claro. Quer
dizer que os gringos do primeiro mundo são mais fracos do que nós os negros,
mulatos e brancos do terceiro? Mais uma pesquisa a ser feita. E quem sabe:
bingo! Somos mais fortes mesmo.
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Ir ao estádio para assistir ao jogo é emocionante, mas
a televisão, hoje, nos dá detalhes que jamais serão vistos por aqueles. Por
exemplo, as grandes jogadas, os dribles, as faltas, as agressões, como as
sofridas por Hulk e depois em tristes proporções por Neynar, feitas pelo mesmo
jogador colombiano. Agressões testemunhadas. E quem sabe, não punidas.
Divertido é ver de perto a reação dos torcedores na
plateia, principalmente quando eles não percebem a câmera: olhos, bocas,
gestos, murros no ar, choros e até boas sonecas, no meio de toda aquela
euforia.
Pena que não tenham convidado um dos nossos grandes
carnavalescos parra fazer a festa de abertura. Pois, como estamos vendo, o
grande sucesso da copa foi e é a sua carnavalização
pelos torcedores. Melhor e mais animado, mais espontâneo e mais barato do
que qualquer carnatal, fortal ou que nome tenham, esses murados carnavais fora
de época. Bastou um palco e um telão, numa praia ou numa praça e a festa está
feita. E é só de quatro em quatro anos, também uma catarse política?
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