Preconceito/Decepção/Remorso
1
Um pequeno livro intitulado “Cecília em
Portugal”, de Leila V. B. Gouvêa, da Iluminuras, reconstitui a trajetória da
primeira viagem de Cecília Meireles em Portugal, mas conta também a história de uma grande decepção.
Para não ser infiel, transcrevo:
“Naquela noite
fria e chuvosa de dezembro, o A Brasileira do Chiado ia ficando enevoado de
fumaça. Mais um pouco, faria duas horas que ali estavam à espera. Faltando
pouco mais de dez dias para a volta ao Brasil, surgira, afinal a oportunidade
de conversar com aquele extraordinário poeta, cujos poemas vinha lendo, nas
revistas portuguesas que recebiam em casa, desde a década de 20.
Fernando sugeriu
que desistissem. Ela ainda tentaria persuadi-lo a aguardar um pouco mais. Mas
acabou concordando em retirar-se”. Fernando era o marido de Cecília e o
esperado era o, na época, não tão famoso Fernando
Pessoa. Pessoa era metido a exotérico. E teria recebido avisos dos astros
para não comparecer ao tal encontro. Dias depois ela recebeu no hotel um
exemplar do seu primeiro e único livro publicado em vida: Mensagem. E dizem que
no espólio do poeta há um lacônico cartão acusando o recebimento do livro:
“Cecília Meireles – cumprimenta e agradece”. Tempos depois ao opinar sobre o
livro Cecília teria escrito que “aquele volumezinho
era precisamente o que menos caracterizava o autor.” Dupla decepção?
2
A primeira vez que ouvi falar em Jorge Luís
Borges, foi em Buenos Aires, 1960. O entusiasta era o secretário da Ordem do
Advogados, de lá, cujo nome não lembro mais. O livro que me foi presenteado: El
libro de arena. Daí, então, sobre o autor, só ouvi elogios: gênio, merecedor do
Nobel e muito mais. Lí outros livros dele, não entendia nada, mas gostava da
maneira como ele dizia certas coisas. Sublinhava-as.
Mas, eis que
recentemente me chega as mãos o livro de Antônio Torres, intitulado “Sobre
Pessoas”, onde as paginas 98, ele inicia uma crônica sob o título de “O lado
infame do genial Borges”. Fico perplexo: Borges, infame? Lá vem fofoca, pensei.
Continuei a leitura e na verdade fiquei pasmo. Para não acrescentar um conto,
copio o que escreveu Antônio Torres:
“A Página do ABC
de 12 de junho de 1999 é assinada pela jornalista argentina Carmen de Carlos.
Título: Em la intimidad de Borges. Trata-se
de uma recordação da sua cozinheira, Epifania Úveda de Robledo, a Fanny, que
durante quase 40 anos o vestiu de los
pies a la cabeza.“O senhor Borges
costumava receber em sua casa. Um dia apareceram umas brasileiras, que
conversaram durante toda a tarde. Ao despedirem—se, ele me chamou correndo,
ansioso para que eu lhe descrevesse as visitas, fisicamente, como sempre fazia.
Comecei pelo mais óbvio, dizendo-lhe que eram negras. “Como negras?” –
perguntou, estupefato. “Por que não me disse isso antes? Que horror! Se
soubesse disso, eu as teria escorraçado. Saia, fora daqui, você também”. Parece
que as autoridades que escolhem o autor a receber o Nobel não levam em conta só
a qualidade da obra do autor, mas o caráter, também. Helás!
3
Uma das mais
belas viagens que fiz foi ao Chile. O roteiro era Santiago, Valparaiso, Porto
Mont, Lagos chilenos, Bariloche. Mas, não é propriamente da viagem que vou
falar agora, mas de remorso. É que lendo o livro de “A literatura na Poltrona”,
de José Castello, ele descreve as três famosas casas de Pablo Neruda, das quais
sabia da existência, mas não visitei nenhuma.
E uma dela está
bem no centro de Santiago, no cerro San Cristóbal; a outra em Valparaiso e a
terceira no balneário de El Quisco, chamada Isla Negra, embora não se trate de
uma ilha. Invenção do poeta. A proximidade do mar. Cada uma delas tinha nome. A de Santiago chamava-se La Chascona,
que significa “descabelada” era uma homenagem a sua terceira mulher Matilde
Urrutia, famosa por seus cabelos sempre revoltos; a de Valparaiso chamava-se La
Sebastiana, em homenagem ao construtor da casa o espanhol Sebastián
Callado.
As casas estão
plenas de histórias. La Sebastiana por exemplo “foi invadida, saqueada e
parcialmente destruída por simpatizantes da ditadura e também por
anticomunistas que não perdoavam os vínculos de Neruda com o Partido Comunista
chileno”. Nos jardins da casa de Isla Negra estão enterrados os corpos de
Neruda e sua terceira mulher, Matilde Urrutia, La Chascona. Isla Negra foi a
primeira a ser construída e a que escolheu (?) para ser a sua última morada.
Por isso, se fosse poeta, de remorso, poderia
“escribir los versos mas tristes esta noche...
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