O encadernador
Um dia desses,
remexendo nas minhas estantes de livros, topei com dois de capa dura.
Estranhei. Eu que só gosto de brochura. Peguei o menor, era “As palavras”, de Jean Paul Sartre, tirei o
outro, era “A vida de André Gide”, de Kaus Mann. Comecei a examina-los e
lembrei que os dois são herança de uma experiência de mais de quarenta anos.
Não sei por que, lá
pelos meados do século passado, fui aconselhado a usar as mãos: desenhar,
pintar, tocar um instrumento. Fiquei atônito. Não tenho nenhuma habilidade
manual. Pintar? Me lambuzar de tinta, nem pensar. Desenhar? É uma frustração,
principalmente quando viajo, mas carregar pastas com papeis, lápis, borrachas,
humm, não. Cheguei a comprar um violão e ir do Flamengo a Tijuca para ter aulas
com jovem violonista, que estava sem trabalho. Disse-lhe da minha inabilidade. “Vamos
ver”. A duras penas fiz uns exercícios. Ele me perguntou se eu cantava.
Disse-lhe que sim. No banheiro. Ele me pediu para cantar qualquer música. Deu um
branco. Ai, ele atacou de Caynni: Quem não gosta de samba...
Resultado: ensimou-me
os acordes e mandou que eu treinasse em casa para a próxima aula. Tentei.
Tentei. Mas os dedos duros não encontravam o ritmo. Na aula, depois de tentar
tocar a música, ele ouviu e pediu que cantasse, para ele acompanhar. Aí, ele
muito delicadamente disse: porque você não aproveita a voz que tem e começa
cantando, aos pouco você acaba tocando. No meio da semana, recebi um telefonema
dele desculpando-se, mas que tinha assinado um contrato com uma banda em São
Paulo e não poderíamos continuar com as aulas. Foi um alívio. Para os dois?
Mas, e os livros
encadernados? Decepcionado comigo mesmo, desabafei para um colega de trabalho.
E foi, aí, que ele me disse porque você não tenta a encadernação. Você que
adora os livros. Eu posso te ensinar. Fiquei tentado. Marcamos encontro no
apartamento dele. E lá fui eu cheio de curiosidade. Era uma verdadeira oficina.
Apartamento enorme na Praia do Flamengo. Ele era um mineiro muito educado.
Mostrou-me a parafernalha toda e depois me deu um livro para desmembra-lo. Não
tive dificuldade. Quando terminei. Ele, que me observava disse-me que eu levava
jeito para a coisa. Fiquei entusiasmado. E continuei. Aprendi. Gostei. Esses
dois livros, são os que guardei, como lembrança dessa experiência. Os outros,
dei-os de presente a amigos como trabalho meu.
Porque não continuou?
Ora, onde eu conseguiria dinheiro para comprar e espaço para colocar: uma
prensa, uma guilhotina, ferramentas, folhas de ouro, cola especial e tudo mais
do necessário para a atividade de encadernador? A cola tem um cheiro muito
ativo e iria incomodar as pessoas que comigo conviviam. Daí, desisti. Mas, não
mais frustrado. Pois tinha agora uma
profissão: um operário encadernador.
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