sábado, 29 de novembro de 2014


                             


                                  O encadernador


Um dia desses, remexendo nas minhas estantes de livros, topei com dois de capa dura. Estranhei. Eu que só gosto de brochura. Peguei o menor, era  “As palavras”, de Jean Paul Sartre, tirei o outro, era “A vida de André Gide”, de Kaus Mann. Comecei a examina-los e lembrei que os dois são herança de uma experiência de mais de quarenta anos.

Não sei por que, lá pelos meados do século passado, fui aconselhado a usar as mãos: desenhar, pintar, tocar um instrumento. Fiquei atônito. Não tenho nenhuma habilidade manual. Pintar? Me lambuzar de tinta, nem pensar. Desenhar? É uma frustração, principalmente quando viajo, mas carregar pastas com papeis, lápis, borrachas, humm, não. Cheguei a comprar um violão e ir do Flamengo a Tijuca para ter aulas com jovem violonista, que estava sem trabalho. Disse-lhe da minha inabilidade. “Vamos ver”. A duras penas fiz uns exercícios. Ele me perguntou se eu cantava. Disse-lhe que sim. No banheiro. Ele me pediu para cantar qualquer música. Deu um branco. Ai, ele atacou de Caynni: Quem não gosta de samba...

Resultado: ensimou-me os acordes e mandou que eu treinasse em casa para a próxima aula. Tentei. Tentei. Mas os dedos duros não encontravam o ritmo. Na aula, depois de tentar tocar a música, ele ouviu e pediu que cantasse, para ele acompanhar. Aí, ele muito delicadamente disse: porque você não aproveita a voz que tem e começa cantando, aos pouco você acaba tocando. No meio da semana, recebi um telefonema dele desculpando-se, mas que tinha assinado um contrato com uma banda em São Paulo e não poderíamos continuar com as aulas. Foi um alívio. Para os dois?

Mas, e os livros encadernados? Decepcionado comigo mesmo, desabafei para um colega de trabalho. E foi, aí, que ele me disse porque você não tenta a encadernação. Você que adora os livros. Eu posso te ensinar. Fiquei tentado. Marcamos encontro no apartamento dele. E lá fui eu cheio de curiosidade. Era uma verdadeira oficina. Apartamento enorme na Praia do Flamengo. Ele era um mineiro muito educado. Mostrou-me a parafernalha toda e depois me deu um livro para desmembra-lo. Não tive dificuldade. Quando terminei. Ele, que me observava disse-me que eu levava jeito para a coisa. Fiquei entusiasmado. E continuei. Aprendi. Gostei. Esses dois livros, são os que guardei, como lembrança dessa experiência. Os outros, dei-os de presente a amigos como trabalho meu.

Porque não continuou? Ora, onde eu conseguiria dinheiro para comprar e espaço para colocar: uma prensa, uma guilhotina, ferramentas, folhas de ouro, cola especial e tudo mais do necessário para a atividade de encadernador? A cola tem um cheiro muito ativo e iria incomodar as pessoas que comigo conviviam. Daí, desisti. Mas, não mais frustrado.  Pois tinha agora uma profissão: um operário encadernador.


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