Há quarenta
anos esta noite - V
Um dos aspectos da mudança ao qual tive mais atenção – foi a
linguagem. Como já tinha uma certa deficiência auditiva, quando cheguei aqui,
tive que redobrar a minha atenção ao ouvir os cearenses. Como falam rápido. E
como acontece em qualquer região do Brasil teem um dialeto, com vocabulário,
expressões, gestual e musicalidade, próprias.
Mesmo quando viajo gosto muito de prestar atenção a maneira
de falar de meus conterrâneos. Como, por exemplo, os pequitititos diminutivos
dos amazonenses ou o som da vogal “o” quase sempre transformada em “u”; ou a
indicação: “ali”, sempre transformada em “ali bem”, pronunciada com um leve
espichar do lábio inferior. O “uai sô”, dos mineiros; ou os “barbaridad tchê”,
dos gaúchos; o “r” dobrado dos caipiras paulistas: porrta, corrda; ou os
excessos de “ss” dos cariocas. Sem malicia, só o prazer da diversidade.
Em Fortaleza, anotei algumas palavras típicas ou usadas de
maneira particular, que hoje, em virtude talvez da televisão e da grande
mobilidade das populações, não existem mais. Quando cheguei aqui ouvia me
perguntarem: “que hora é essa”, para, que horas são?; “diga aí”, para o que é
que há? “Acochar”, para apertar; “rebolar” para jogar fora; “brechar” para
espiar. As palavras: mulher, filho, velho, sempre em corruptela: muié, fio,
fia, véia, véio. Isso até em pessoas de boa escolaridade. Muitas das expressões maliciosas
desapareceram, como: “pai d´egua”, “arre égua”,” baitola”. Costumam, ainda,
comer os “ss” e “rr” finais das palavras ou trocar o para, por “pa”.
Não tenho nenhuma pretensão de crítica, pois não tenho
credenciais gramaticais ou lingüísticas, para tal. Mesmo porque essas
especificidades se verificam em todas as regiões. Em algumas nos identificamos
nacionalmente, como nos: “marmenino”, “mermo assim” e outras que não me ocorrem
agora e não vem ao caso.
O que mais me chamou atenção, quando cheguei aqui, foi o
apodo de Zé. Era seu Zé pra cá e seu Zé pra lá e eu fazendo força para engolir
em seco o tal de Zé, que não queria em mim.
- Seo, Zé, me dê uns trocadin.
- Seo,Zé, me dê umas foia de mamoero.
Eu que tivera tanto trabalho para ser chamado pelo meu pré
nome, de que tanto gosto, ver-me de repente transformado num Zé qualquer. Mas
foi coisa de instante e ontem como hoje continuo a ser o Alberto de sempre. "Garra
a Deus!”, como dizia uma de minhas tias afim.
Mas foi justamente esse Zé, continuado ou não, que me chamou
atenção para a minha nova condição de, embora nacional, migrante. E me impreguinou de tal forma que hoje me pareço um amazonense
meio carioquisado e ciarensisado: nortista, sudestino, nordestino. Arre égua,
macho velho!
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