Há quarenta anos esta noite - III
Toda vez que se invoca o nordeste, pensa-se
logo, em seca. Quando cheguei aqui, ouvia falar até de “indústria da seca”.
Promessas eleitoreiras não cumpridas, desvios de verbas públicas para bolsos
particulares, esmoleres aos “magotes” pelas ruas. Estes, na verdade, chegavam a
incomodar. Certa vez, ouvi alguém dizer: se eu for dar esmola a todos que me
pedem vou ter que pedir também para voltar para casa. Morando em casa, era quase
necessário ter uma pessoa exclusiva para atender aos pedintes ou despachá-los.
Foi por causa de água que quase não me fixei
aqui. A primeira casa que aluguei tinha água de poço. Não sabia lidar com as
tais bombas. A da casa recém alugada quebrava mais do que funcionava. E eu não
dava trégua a meu primo Eduardo. “Eduardo, a bomba quebrou. Me arranja um
bombeiro”. E lá vinha ele com um especialista, contratado no centro da cidade.
Eles ficavam a espera de trabalho, geralmente, na esquina da Rua São Paulo com
Barão do Rio Branco.
Até que rescindi o contrato de aluguel e
mudei para uma casa recém construída, com água encanada. Respirei. Eram poucas
as ruas de bairros que tinham água encanada (Cagece). E muitas pessoas não
confiavam nos serviços da empresa. Preferiam água de poço, cuja água diziam ser
pura. Havia, então, os chafarizes. Os moradores mais abastados contratavam
pessoas para entrarem nas filas de madrugada para recolherem água, de manhã
cedo. Eles as recolhiam geralmente em latas de querosene, que eram também uma
medida de valor.
Todas as casas tinham poço, cuja água os
moradores usavam para os serviços de casa. A água para beber era a do poço
público. Perto da minha casa havia um
chafariz, na chamada Pracinha, na Rua Érico Mota, atrás do colégio Monsenhor
Linhares. O horário ia de seis as dez horas da manhã. O carregadores cobravam
cinquenta centavos do cruzeiro para levá-las até em casa. Havia também terrenos
particulares com poços de água pura que os proprietários vendiam.
Diziam que havia lugares na cidade que só
tinha água de poço. No sítio de meu
amigo Estrigas, no Mondubim, a uns doze quilômetros de distância do centro da
cidade, ainda era assim. Consultando um site da cidade de Fortaleza, li que a
cidade, na época, não tinha cinquenta por cento de água encanada. É o tipo de
obra que além de perturbar o cotidiano da cidade, não dá visibilidade aos
políticos. Fica, então, só em projeto. Promessa do candidato a governador ou
prefeito na próxima eleição. E o eleitor que acredite e vote ou troque o voto por um simples favorzinho. “E la
nave..."
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