O que produzia a
fazenda?
Creio que não se
tratava bem de uma fazenda, mas de um grande sítio. Agora é tarde, para saber
disto. Os que poderiam esclarecer estão todos mortos. Mas com certeza era muito
terreno para poucos bois, cavalos, porcos e carneiros. E muita galinha. O cacarejá
destas e o cocoricó dos galos, anunciando o dia, ainda de madrugada,
denunciavam a quantidade. Depois de parir seus ovos as galinhas cantam. Porque?
Para que? Para quem? Gostava de ver abrir o galinheiro e presenciar a saída
delas, ciscando e bicando o chão, buscando a liberdade, com seus bater de asas
e murmúrios assanhados. Leve como pena de galinha, crista de galo, parece um
galo garnizé, pinto calçudo! Expressões que o tempo levou.
A agricultura
era de subsistência. Havia um pomar atrás da casa. Com longas fileiras de
diversas espécies de pés de manga – a doçura das espadas, apesar do nome – de
laranjeiras e tangerineiras, o perfume das flores das laranjeiras, banhadas de
orvalho, aromando a noite, lembrando os buquês de noivas daquela época, é claro.
Jambos-brancos, pitangas, pitombas, cajás, bananas de várias espécies, bacaba,
açaí e cupuaçu. Estes ainda não conhecidos nacionalmente, como hoje.
Bonito era o
tapete verde-fosco das folhas rajadas de branco dos pés de jirimuns, de melões
nativos, cujo cheiro me enjoava (até hoje). Plantas rasteiras, contrastando com
a alta elegância dos pés de castanha – comum ou sapucaia – elevando-se aos céus
com seus ouriços de formas bonitas – principalmente os da sapucaia – e diversas
serventias, quando esvaziados. As castanhas quando novas, são leitosas;
passadas, são oleosas. Mas sempre saborosas e nutritivas. O que não se sabia,
então.
Disse antes, que
o mister de suprir a casa do alimento principal era de meus tios. Na verdade,
no meu tempo, era de meu tio Alberto e Vicente, uma cria da família. Os outros
tios, na década de vinte, já tinham casado ou ido a luta. Tio Alberto era
alegre, extrovertido, forte, corajoso, festeiro, namorador. Um típico homem do
campo. O rio e a mata não tinham segredos para ele. Quando o via na cidade, de
paletó e gravata, achava sempre que estava fora do seu habitat. Era um peixe
fora d´água.
Como não vivia
da pecuária nem da agricultura, de que vivia então a fazenda? Vivia da venda de
lenha, para alimentar as caldeiras das embarcações que demandavam o rio acima e
abaixo. A forma de comércio era o escambo. Lenha pra lá, açúcar, café (em grão),
sal, bolacha, rosca, tecidos, utensílios de costura, sabão e outras utilidades,
pra cá. Assim foi, até 1935, quando venderam a fazenda, cinco anos após a morte
de meu avô. E o restante da família: minha avó Joana, minhas tias Luiza,
Zulmira e Isaura; meus tios Pedro e Alberto foram morar em Manaus. Com o
dinheiro da venda compraram uma casa na rua Silva Ramos, 359, e lá viveram até
morrerem todos.
Eis uma saga quase inesgotável, essas observações da adolescência ou da juventude.. Haja luz, haja colorido!
ResponderExcluirUma beleza, Mestre!