A casa dos três telhados
A casa foi
construída numa pequena elevação de
terreno. Aberto o portão, sobe-se por
uma rampa e vai-se até o primeiro quadrado, coberto de telhas de barro, que
tanto pode ser garage, sala-de-estar ou varanda para se armar belas redes de
embalar. Na parte da frente e dos lados, um jardim agreste. Chão de cimento.
Compridos bancos de madeira de ambos os lados. Pedaços de vidro coloridos
decoram a única parede de tijolos aparentes dessa ante-casa. As telhas brique,
as vigas negras têm nuances inusitadas, a luz dos vários momentos do dia.
Se a casa é
o que esconde, entra-se nela por uma porta dupla: a primeira de treliças e a
segunda de vidro. Ambas de correr. Aberta a porta entra-se no segundo quadrado.
A passagem de um para o outro é protegida pelo encontro de dois telhados. No
primeiro quadrado da casa, propriamente dita, encontram-se três ambientes: sala
de visitas, sala de refeições e cozinha.
Uma janela de cada lado. A meia parede da frente, como a da varanda, é decorada
com pedaços de vidro coloridos. Nas cavidades obras de artesanato: barro,
louça, cobre. Num recanto improvisou-se um armário. Livros. Diante do sofá uma
velha mala de couro serve de arca e mesa. Os tapetes de rodelas de panos,
formando intrincados arabescos. A mesa de refeições é ladeada por dois
compridos bancos. Poucas cadeiras. Tudo rústico. Mas usado. Mesa marcada pelo
calor dos alimentos; os bancos e as cadeiras pelo calor dos corpos. Chão
pisado, andado, lavado, varrido. Casa realmente habitada.
O segundo e
terceiro quadrados se encontram. Liga-os o banheiro e um corredor de saída
lateral. No terceiro quadrado, tem-se uma sala de estudos – mesa, cadeiras,
estantes – e três quartos – camas, armários, espelhos, janelas. A casa que
antes era pública, depois comum, aqui, torna-se íntima, secreta, nupcial. Está
tão perto e ao mesmo tempo tão distante, que se vai lá apenas para colher ou se
recolher. Na parede da saleta de estudos ele incrustou uma porta (ou janela?)
de madeira, que o mar atirou na praia. Aliás, na casa, o mar é uma presença
auditiva, olfativa e táctil. O quebrar das ondas na praia, o cheiro da maresia
e no corpo o frescor da brisa constante.
Esta é a
casa dos três telhados. Ele a imaginou, projetou e construiu. Telha a telha,
tijolo a tijolo, viga a viga. A mulher mora na casa mas quem a habita é ele.
Seu silêncio escorre pelas paredes, aprisiona-se na gaiola sem pássaro,
concretiza-se nos painéis de ladrilhos. Madeira em madeiro reduzida, argila em
telhas e tijolos acolhida, cantar de ondas pela brisa trazido, acalanto para
Mariana dormida. Esta é a casa de Madeira, Angélica, Mariana.
Puxa! Você foi preciso nesta narrativa dos interiores, da casa e de seus donos... suponho que nossa Mariana, então menina, será hoje doce senhora e os jovens Madeiras, ela e ele, verdes senhores, tal o mar que rugia como um bichinho - ao longe - para não assustar os veventes. Belo trabalho!
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