Há quarenta anos esta
noite - I
(O título é parecido com o do filme de Louis Malle: "Le feu
follet", de 1963, que recebeu no
Brasil o apelido de "Trinta anos esta noite". E do livro de Paulo
Francis, intitulado, "Trinta anos esta noite ou O que vi e vivi". O
filme conta a história de um homem atormentado em busca de si mesmo, muito bem
interpretado por Allan Delon. Aqui, porém, não se falará de um ser tão
atormentado mas com certeza de um pouco do que vi e vivi nesta cidade, nestes
últimos quarenta anos).
No dia 6/07/1978 – Tomei um
avião da Cruzeiro do Sul, no Aeroporto do Galeão Rio de Janeiro, voo de
15h30min, com destino a Fortaleza, Ceará, onde cheguei as 20h10min. Tomei um
táxi e vim para a casa de Maria Anunciada,
viuva de meu tio Epitácio, na rua Silva Paulet, nº 650, onde já estavam hospedadas
Tia Coló e Maria.
Tentava conter a emoção. Afinal, eram trinta anos de Rio de Janeiro,
que estava deixando para trás. Quando mudei para o Rio, em 1948, era todo excitação.
Tinha vinte e sete para vinte e oito anos. Estava, agora, as vésperas de
cinquenta e oito. O estado de espírito era outro. Me adaptaria?
Estava me aposentando e resolvi mudar-me para uma cidade menor, que já
conhecesse e tivesse relações de amizade ou parentes. A escolha estava entre
Manaus e Fortaleza. No início do ano, pedi a Tia Coló e Maria que passassem uma
temporada nessas duas cidades e decidissem em qual das duas prefeririam morar,
uma vez que já tinham decidido que me acompanhariam. Assim foi feito.
Em junho, recebi um telefonema de Maria, de Fortaleza, dizendo que eu
poderia preparar a mudança para essa cidade. Elas não voltariam. Ficariam a
minha espera. Para me certificar fiz uma rápida viagem a Fortaleza. Confirmada
a escolha, pedi a Eduardo que nos alugasse uma casa, pequena, confortável e se
possível com quintal. Estava farto de apartamento.
Ficamos hospedados na casa de Anunciada até a chegada da mudança e
limpeza da casa que José Eduardo alugara
para nós: Avenida Jovita Feitosa, nº 2334, Parquelândia. A casa era muito
grande para três pessoas idosas, muito simples e de tão poucos trastes. Tinha
sala, três quartos, sala de refeições, cozinha e quarto de empregada. A lavanderia
era fora. Era um verdadeiro festival de cores: amarelo, azul, verde, rosa, e
preto. Providenciei uma nova pintura: tudo gelo ou areia. Não suportaria tanta
alegria vinte e quatro horas por dia.
Nessas casas antigas, as salas de refeições são sempre muito grandes.
Maiores do que as outras dependências, principalmente em relação aos quartos.
Quase sempre pequenos e estreitos. Difícil caber folgado cama e guarda-roupa. Ainda
o hábito de dormir em rede e guardar as roupas em malas ou baús? E as salas de
refeições tão grandes? Para reunir em torno das compridas mesas a família
numerosa, os parentes, os hóspedes e os aderentes? Pronta a limpeza, mudamos.
As razões da mudança? Estava me aposentando e não queria continuar
trabalhando, pelo menos no que vinha fazendo. Se ficasse no Rio de Janeiro não
poderia rejeitar as propostas que me tinham sido feitas. Devia muito a algumas
dessas pessoas, mas resolvi seguir a mim mesmo, dai por diante. Estender a
minha disponibilidade que era parcial a total. Estava com cinquenta e oito anos
e trabalhava desde os doze – quarenta e seis anos. Acreditava ter direito de
entrar para a confraria dos vagabundos remunerados, os aposentados. Sem
remorso.
Nota - quando me mudei de Manaus para o Rio de Janeiro, em 1948, viajei
também, num avião da Cruzeiro do Sul. O comissário, muito meu amigo,
prognosticou que eu não aguentaria seis meses. Fiquei trinta anos, por escolha
e prazer. E agora? Quantos?
Sua história está enriquecida pelos encontros com os espaços urbanos, o encanto de novas paisagens, novas (ou diferentes?) construções e novos conhecidos... pessoas que passaram a desdobrar seus perfis, vistas mais de perto. Gostaria que v comentasse também essa experiência. O homem "recriando" no dia a dia a sua imagem que é reflexo de seu meio e, reciprocamente, o meio mudando pela força do coletivo. Aaguardo...
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