Hora da virada
Não me lembro bem das noites de passagem de
ano, em Manaus, quando era criança ou jovem. Creio que essa festividade se
tornou presente, para mim, no Rio de Janeiro, quando passei a morar lá.
No começo, décadas de cinquenta, sessenta,
setenta, ainda podia-se flanar pelas ruas do Rio, sozinho, durante a noite. A
marginalidade era pontual. Copacabana e o Centro da cidade eram os palcos de
todos os entretenimentos, de então.
O meu prazer, mesmo, na noite da virada
(como se diz hoje) era caminhar pela praia, as vezes descalço, apreciando e
recebendo passes de pais ou mães de santo, em plena praia, ao murmúrio do mar.
Os altares eram grandes cavidades na areia, onde, protegidas do vento, se
colocavam as imagens de Iemanjá, a rainha da festa, rodeada de lírios e velas.
Toda a praia era um imenso baixo relevo dedicado a Deusa.
Ao se aproximar da meia noite, as
charangas começavam a tocar, os tambores a ruflar, os fogos desciam em cascata
do topo do Hotel Mediterané e todo mundo de branco começava a cantar, se
abraçar e se beijar, numa tristeza de adeuses pelo ano que morria e de alegria
pelo que nascia, ao som daquele enorme coral. Era como no samba-choro de Assis
Valente, de 1938, cantado por Carmem Miranda:
“beijei na boca de
quem não devia
peguei na mão de quem
não conhecia
dancei um samba em
traje de maiô
e o tal do mundo não
se acabou.”
Hoje, a atração é o grande show,
no palco armado na praia, com os cantores mais populares do momento e a chuva
colorida de fogos, emergindo da Baia da Guanabara, na hora da virada. Depois,
esperar o amanhecer acreditando na folhinha que diz ser o dia da Confraternização
e Paz universal. Oxalá! Oxalá!
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