A fazenda
A fazenda ficava entre Manaus e Itacoatiara,
distrito de Amatari. De lá, diziam ver, de noite, os navios iluminados,
aparecerem na foz do rio Madeira. E essa imagem era associada a Cobra-Grande.
Boiúna. Lembro-me de um menino que fazia xixi na rede todas as noites, e todas
as manhãs prometiam entregar-lhe a Boiúna, se ele não se corrigisse. Cheio de
medo aí é que ele fazia. E o pobre apanhava. Essas ameaças eram sempre
associadas ao Matinta Perera, uma espécie de Saci de duas pernas; ao Curupira,
com os pés voltados para trás; ao Mapinguari, cuja invencibilidade está no
umbigo ou a M´boitatá, a cobra de fogo. Fogo fátuo? Personagens que povoam o
imaginário amazônico. Os bichos papões do lugar.
Havia ainda as histórias de botos, seduzindo
donzelas e de Iaras encantando rapazes. Principalmente os mais bonitos ou
bonitas, que a lenda despreza os feios. Os feios são sempre maus: os bonitos
sempre bons. Ai de mim! Mas esses eram assuntos para gente grande.
Principalmente quando se sabia do nascimento de algum filho de boto. Sonhar a
beira dos barrancos, tomar banho no rio, nua, passear de canoa em lagos e
igarapés, eram álibis perfeito para o aparecimento súbito de uma barriga grande
em qualquer moça.
Lembro-me de tia Raimunda (que não merecia
esse nome e em boa hora lhe arranjaram o apelido de Miminha), tia Miminha,
passeando de mãos dadas comigo, em frente a casa, me contando que certa vez
ouvira o canto da Iara, bem ali, deslizando pelo rio. Essas e outras histórias,
essas e outras personagens, não são lendas, não são mentiras, na vida do
amazônida. São verdades de um povo cuja vida é comandada pelo rio e pela
floresta. Histórias de caboclos. Não confundir com índios. Esses pertencem a outro
seguimento do mesmo espaço.
Ler seu Blog é um passeio por belos mares nunca tão bem navegados. O cruzar do ano naquela Copacabana que deixamos para trás nas nossas alegrias e devaneios é uma peça de rara poesia. Gostei muito! Helio
ResponderExcluir