O livro de areia
Em 1960, fiz a minha primeira
viagem internacional. Destino: Buenos Aires.
Motivo: trabalho. O tempo foi curto, mas nos pequenos intervalos visitei
algumas livrarias e me relacionei com um
argentino, que gostava de literatura brasileira. E eu, sinceramente, tive que confessar-lhe a minha ignorância da literatura
argentina. Ou melhor, da literatura
latino-americana.
Foi então que no final da
visita ele me presenteou com "El libro de arena", de Jorge Luis
Borges. Autor que completamente desconhecido, para mim, e um dos gênios
argentinos, segundo ele. E aqui, tenho
que confessar uma das minhas excentricidades em matéria a de leituras, é o
seguinte: gosto de escritores objetivos. Claro na escrita, coerente na exposição
do tema, linguagem simples. Mas há escritores difíceis que me atraem, como por
exemplo, o mexicano, Octavio Paz, a inglesa, Virginia Woolf, a nossa Clarice ou
mesmo Guimarães Rosa e naturalmente, Jorge
Luis Borges.
Com o meu portunhol li mal o
livro de Borges, mas tempos depois saiu a tradução em português e o reli. E
embora não entendendo quase nada, porém encantado com a escrita ia, aqui e ali
sublinhando frases ou períodos inteiros como os que copio, agora:
- Papai sempre com suas
brincadeiras contra a fé. Ontem à noite afirmou que Jesus era como os guachos,
que não querem se comprometer, e que por isso pregava por parábolas.
- o que dizemos nem sempre
se parece conosco.
- Por indecisão ou por
negligência ou por outras razões, não me casei, e agora estou só. Não sofro
pela solidão; já é bastante esforço alguém tolerar a si mesmo e as próprias
manias.
- todos os grupos tendem a
criar seu dialeto e seus ritos;
- Notei que as viagens de
volta duram menos que as de ida,
- Disse a mim mesmo
repetidas vezes que não existe outro enigma senão o tempo, essa infinita
urdidura do ontem, do hoje, do futuro, do sempre e do nunca.
- “Quem olha para uma mulher
a fim de cobiça-la, já cometeu adultério em seu coração”
- o desejo não é menos
culpável que o ato,
- Não existem dois morros
iguais, mas em qualquer lugar da Terra a planície é uma só.
- Os fatos... São meros
pontos de partida para o pensamento e a
invenção.
- não é importante ler, mas
reler.
- Quando quer, se mata. Dono
de sua vida, o homem também o é de sua morte.
- Nunca pudemos nos evadir
do aqui e do agora.
- toda viagem é espacial. Ir
de um planeta a outro é como ir à chácara defronte. Quando entrou neste quarto,
estava executando uma viagem espacial.
- um passaporte não modifica
a índole de um homem.
- Disse-me que seu livro
chamava O livro de areia, porque nem o livro nem a areia têm principio ou fim.
- Lembrei-me de ter lido que
o melhor lugar para esconder uma folha é um bosque.
Nenhum comentário:
Postar um comentário