EU E OS LIVROS
Um dia, emprestei um livro
para uma amiga que, ao devolver-me, reclamou que eu os maltratava muito:
sublinhando, dobrando as pontas das páginas, fazendo anotações as margens. Mas
ainda assim os livros não eram sebosos. Por fora, nem se imaginava o quanto
eles sofriam por dentro. Ela personificava os livros. Eu disse a ela que essa era a minha forma
estúpida de amar. Um tanto de gigolô. Um tanto de malandro.
Ela
ficou um pouco triste, mas expliquei que eu os marcava para encontrar mais tarde
os seus melhores momentos: de sabedoria, de poesia, de dúvida. E voltava a eles
toda vez que precisava instruir-me, esclarecer-me, enternecer-me. Eles, os
escolhidos, pois não procedo assim com todos, parece que gostam disso. E quase
se abrem sozinhos nas páginas que desejo ouvi-los. Sim, porque eu não leio só
com os olhos, eu os ouço, também.
Quando ela leu aqueles sublinhados, garanto
que parou um pouco e pensou em mim. Talvez tenha se indagado: porque? O que ele
não compreendeu aqui? Este trecho é a
cara dele. E algumas vezes se disse: eu também penso assim. E ali, com certeza,
nos encontramos, apesar das diferenças. É por isso que gosto de dar livros
lidos as pessoas a quem prezo muito. Os sublinhados são pedaços de mim mesmo.
Uma espécie de eucaristia.
Outro dia, li que os
bibliófilos e bibliotecários condenam também todas aquelas práticas. Ora, eles
são profissionais do objeto – livro. Eu sou amigo ou inimigo do autor, do
narrador, das personagens. Escrevi personagens no feminino para não me chamarem
de machista. Ué! mas nesse caso a palavra feminino para ser politicamente
correto deveria ser sempre escrita “feminina”. Ah. deixa pra lá, isso é
problema para a Cristiane resolver.
Autor, narrador,
personagens, amigos, inimigos? E porque não? Ora, aqueles profissionais dos
livros que me desculpem. Sei bem de quem estou falando, pois carrego-os nas
mãos, no colo, nas axilas, há mais de cinquenta anos. Juro que eu sou o que
sou, em grande parte por causa deles. Foram eles que me fizeram assim. Pois eu
penso como o João Cabral: somos só palavras.
Amém!
Pois é, você não apenas conversa com o livro. Lá da estante, ele certamente o chama para um "papo" amigo. Gosto dos livros que me obrigam a voltar às páginas iniciais, pois - por incometência - não pesquei o "tom" do autor. Será que é isso mesmo? Helio
ResponderExcluir