sábado, 19 de novembro de 2016



Feira Livre

Feira livre. Há quem as condene. Dizem que atrapalha o tráfego, faz muito barulho desde a madrugada, provoca mau cheiro, transtorna a vida dos moradores das casas, nas ruas em que elas se instalam. Mas estou quase certo de que esses mesmos esperam a hora da xepa para comprar os seus artigos mais baratos. É um passeio capaz de despertar todos os sentidos e paladares.

A variedade de cores das pirâmides de maçãs, laranjas, tangerinas, mangas; o amarelo dos melões, o vermelho das talhas de melancia, a variedade de mamões. O degradê vermelho, amarelo e rosa dos pêssegos, o arroxeado dos figos ordenados dentro de pequenas caixas de madeira, assim como a sensualidade dos morangos, aguardando a nossa gulodice. Quiabos, maxixes, jilós; xuxus, beringelas, abóboras; arroz, feijão, lentilha; alface, couve, cebolinha...e as carnes: porco, boi, aves, peixes; embutidos diversos...utensilhos de cozinha; ervas para todas as finalidades; pimentas em espécie e conserva. O assédio, ora dengoso ora engraçado, dos vendedores, apregoado em prosa, verso e música - é poesia, irresistível.


Me refiro as feiras do Rio e de São Paulo. Onde há muito mais opções de frutas, legumes, verduras, flores, comestíveis em geral. Fico imaginando os adeptos da comida politicamente correta, ao virem porcos, bois, carneiros esquartejados, aves depenadas, os olhos vítreos dos peixes, fitando-os. Vegetarianos, avante, contra os ímpios! E as ervas, os legumes, as verduras, os tubérculos não foram arrancados e retalhados também? Não vivem? Há pessoas que dizem falar com as plantas e que elas se não as respondem, sentem. Ora direis, falar com plantas. De certo perdeste o senso. Falai com elas e ouvirás os seus gemidos quando com faca afiada as retalham para a vossa deliciosa salada. Eu que sou declaradamente ímpio, me delicio com carnes, aves, abóboras e até jilós.

quinta-feira, 3 de novembro de 2016




MARINHEIRO DE PRIMEIRA VIAGEM

Conhecer o mar é o sonho de quase todo interiorano. Como amazônida, o meu não poderia ser diferente. Esse sonho é quase sempre oriundo da leitura. De poesia, de romances de aventura, de narrativas de viagens. Assim foi o meu. O primeiro romance que li foi “Robinson Crusoé”, de Daniel Defoe. Escritor inglês que viveu entre 1660 e 1731. Foi um prêmio escolar. Não lembro a razão de tal premiação. Sei que me aventurei, me naveguei, me naufraguei com Crusoé. Ajudou a construir o meu individualismo? No mínimo a gostar de literatura. Depois veio a poesia de Castro Alves (1847-1871):

  “`stamos em pleno mar...Abrindo as velas
     Ao quente arfar das vibrações marinhas,
     Veleiro brigue corre à flor dos mares
     Como roçam na vaga as andorinhas...”

Mas foi a poetisa amazonense Violeta Branca Menescal de Vasconcelos que realmente começou com seus poemas a encher de vagas a minha adolescência. Líamos e relíamos seu livro “Ritmos de Inquieta Alegria”. Por causa dele, fomos amantes e marujos. Por ela mesma enamorados:
       
             “ Estendo os braços para o mar
             -Glória maior do movimento-
             E levanto os olhos para o sol
             Suprema síntese da luz!”      

Até que um dia, aos vinte um anos de idade, não suportando mais esperar, tomei um barco e fui conhecer o mar. Depois de viajar vários dias pelo “Mar Dulce” entramos no delta amazônico de madrugada. Era de ver-se o grande triângulo se abrindo, deixando de ser rio e metamorfoseando-se em Oceano. Atlântico. O deus raivoso. O barco perdendo a estabilidade, os conveses se despovoando, os passageiros se recolhendo e eu, ali, firme, esperando o grande momento do “`stamos em pleno mar”.

De repente, como num piscar de olhos, num cochilo, numa vertigem, não havia mais nada senão água, água, água. A superfície era uma massa espessa como vísceras pulsantes e vivas. O mundo se liquidificara e só existia o mar, e sobre o mar o navio, e dentro do navio, um sonho a navegar.

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