domingo, 18 de setembro de 2016



Em “De Senectude“, Norberto Bobbio, aos 87 anos diz: “Nunca imaginei viver tanto“, nem eu, digo aos noventa e seis. Sempre pensei que morreria aos 47 anos, depois aos 57. Não morri. Também não lembro a razão dessas suspeitas. Com essas idades morreram minha irmã mais nova e meu pai, respectivamente. Essas mortes me abalaram muito. É, aliás, uma das coisas mais tristes do envelhecer: perder os parentes queridos, os amigos de infância e as grandes admirações. É como se tivessem arrancado páginas de nossa história, pedaços de nós mesmos.

Se tivesse que escolher uma figura para representar esses noventa e seis, escolheria a linha reta. Nada relacionado a moral, retidão, caráter, mas a uma vida sem lances heroicos ou dramáticos. Vida, vivida na hora certa. Infância, adolescência, maturidade, velhice, senectude. Escola, trabalho, lazer, ócio remunerado. É verdade que faltaram alguns papéis na vida civil: marido, pai, avô. Pois não me casei. E não prevariquei com resultados. Pelo menos não me pediram exame de DNA até agora. Sem remorsos. Pura falta de vocação.

Foi uma vida sem lances heroicos ou dramáticos, mas profundamente vivida. Pelo conhecimento do mundo. Não nasci com vocação para isso ou aquilo, para disso ou daquilo. Eterno aluno. As salas de aula nunca foram um cárcere para mim, ao contrário. Foi dentro delas que descobri minha “vocação”: viajante. No sentido literal e virtual. Viajo nos livros, nos filmes, no teatro, na música, e viajo viajando. Para isso é preciso que a mente e o corpo permaneçam vivos. Tenho tido sorte. Eis outra das tristezas do envelhecer: quando a mente recusa o envelhecimento do corpo. Não me refiro a libido, embora não a exclua. Falo do viver aprendendo: ver, ouvir, sentir, gustar.  A dependência é um castigo. Por isso sou a favor da eutanásia. Mas... viver é preciso.

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