domingo, 30 de novembro de 2014








Durante toda a viagem a saudade não me deixou
Não digo que era como minha sombra
Pois ela estava ao meu lado até na escuridão
Não era como minhas mãos e pés
Pois você não sente sua mão e pé dormindo
Eu não perdia a minha saudade nem dormindo
 Por toda a viagem a saudade não me deixou
Não digo que era como a fome ou a sede
Não era como procurar o frio no calor, o calor no frio
É algo impossível de terminar
Não é alegria e nem tristeza
Não tem nada a ver com as cidades,
as nuvens ou as canções
Estava dentro de mim e fora de mim
Por toda a viagem a saudade não me deixou
Alias, o que restou dessa viagem
senão a saudade?
           
              
              Do  poeta turco Nazim Hikmet Ran  nascido na Turquia em em 1902 e falecido na antiga União soviética em 1963. Infelizmente não registrei o nome do tradutor.



sábado, 29 de novembro de 2014


                             


                                  O encadernador


Um dia desses, remexendo nas minhas estantes de livros, topei com dois de capa dura. Estranhei. Eu que só gosto de brochura. Peguei o menor, era  “As palavras”, de Jean Paul Sartre, tirei o outro, era “A vida de André Gide”, de Kaus Mann. Comecei a examina-los e lembrei que os dois são herança de uma experiência de mais de quarenta anos.

Não sei por que, lá pelos meados do século passado, fui aconselhado a usar as mãos: desenhar, pintar, tocar um instrumento. Fiquei atônito. Não tenho nenhuma habilidade manual. Pintar? Me lambuzar de tinta, nem pensar. Desenhar? É uma frustração, principalmente quando viajo, mas carregar pastas com papeis, lápis, borrachas, humm, não. Cheguei a comprar um violão e ir do Flamengo a Tijuca para ter aulas com jovem violonista, que estava sem trabalho. Disse-lhe da minha inabilidade. “Vamos ver”. A duras penas fiz uns exercícios. Ele me perguntou se eu cantava. Disse-lhe que sim. No banheiro. Ele me pediu para cantar qualquer música. Deu um branco. Ai, ele atacou de Caynni: Quem não gosta de samba...

Resultado: ensimou-me os acordes e mandou que eu treinasse em casa para a próxima aula. Tentei. Tentei. Mas os dedos duros não encontravam o ritmo. Na aula, depois de tentar tocar a música, ele ouviu e pediu que cantasse, para ele acompanhar. Aí, ele muito delicadamente disse: porque você não aproveita a voz que tem e começa cantando, aos pouco você acaba tocando. No meio da semana, recebi um telefonema dele desculpando-se, mas que tinha assinado um contrato com uma banda em São Paulo e não poderíamos continuar com as aulas. Foi um alívio. Para os dois?

Mas, e os livros encadernados? Decepcionado comigo mesmo, desabafei para um colega de trabalho. E foi, aí, que ele me disse porque você não tenta a encadernação. Você que adora os livros. Eu posso te ensinar. Fiquei tentado. Marcamos encontro no apartamento dele. E lá fui eu cheio de curiosidade. Era uma verdadeira oficina. Apartamento enorme na Praia do Flamengo. Ele era um mineiro muito educado. Mostrou-me a parafernalha toda e depois me deu um livro para desmembra-lo. Não tive dificuldade. Quando terminei. Ele, que me observava disse-me que eu levava jeito para a coisa. Fiquei entusiasmado. E continuei. Aprendi. Gostei. Esses dois livros, são os que guardei, como lembrança dessa experiência. Os outros, dei-os de presente a amigos como trabalho meu.

Porque não continuou? Ora, onde eu conseguiria dinheiro para comprar e espaço para colocar: uma prensa, uma guilhotina, ferramentas, folhas de ouro, cola especial e tudo mais do necessário para a atividade de encadernador? A cola tem um cheiro muito ativo e iria incomodar as pessoas que comigo conviviam. Daí, desisti. Mas, não mais frustrado.  Pois tinha agora uma profissão: um operário encadernador.


sábado, 1 de novembro de 2014



                   Preconceito/Decepção/Remorso

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       Um pequeno livro intitulado “Cecília em Portugal”, de Leila V. B. Gouvêa, da Iluminuras, reconstitui a trajetória da primeira viagem de Cecília Meireles em Portugal, mas conta  também a história de uma grande decepção. Para não ser infiel, transcrevo:

“Naquela noite fria e chuvosa de dezembro, o A Brasileira do Chiado ia ficando enevoado de fumaça. Mais um pouco, faria duas horas que ali estavam à espera. Faltando pouco mais de dez dias para a volta ao Brasil, surgira, afinal a oportunidade de conversar com aquele extraordinário poeta, cujos poemas vinha lendo, nas revistas portuguesas que recebiam em casa, desde a década de 20.

Fernando sugeriu que desistissem. Ela ainda tentaria persuadi-lo a aguardar um pouco mais. Mas acabou concordando em retirar-se”. Fernando era o marido de Cecília e o esperado era o, na época, não tão famoso Fernando Pessoa. Pessoa era metido a exotérico. E teria recebido avisos dos astros para não comparecer ao tal encontro. Dias depois ela recebeu no hotel um exemplar do seu primeiro e único livro publicado em vida: Mensagem. E dizem que no espólio do poeta há um lacônico cartão acusando o recebimento do livro: “Cecília Meireles – cumprimenta e agradece”. Tempos depois ao opinar sobre o livro Cecília teria escrito que “aquele volumezinho era precisamente o que menos caracterizava o autor.” Dupla decepção?
                                         
         
                                                            2




    A primeira vez que ouvi falar em Jorge Luís Borges, foi em Buenos Aires, 1960. O entusiasta era o secretário da Ordem do Advogados, de lá, cujo nome não lembro mais. O livro que me foi presenteado: El libro de arena. Daí, então, sobre o autor, só ouvi elogios: gênio, merecedor do Nobel e muito mais. Lí outros livros dele, não entendia nada, mas gostava da maneira como ele dizia certas coisas. Sublinhava-as.

Mas, eis que recentemente me chega as mãos o livro de Antônio Torres, intitulado “Sobre Pessoas”, onde as paginas 98, ele inicia uma crônica sob o título de “O lado infame do genial Borges”. Fico perplexo: Borges, infame? Lá vem fofoca, pensei. Continuei a leitura e na verdade fiquei pasmo. Para não acrescentar um conto, copio o que escreveu Antônio Torres:

“A Página do ABC de 12 de junho de 1999 é assinada pela jornalista argentina Carmen de Carlos. Título: Em la intimidad de Borges. Trata-se de uma recordação da sua cozinheira, Epifania Úveda de Robledo, a Fanny, que durante quase 40 anos o vestiu de los pies a la cabeza.“O senhor Borges costumava receber em sua casa. Um dia apareceram umas brasileiras, que conversaram durante toda a tarde. Ao despedirem—se, ele me chamou correndo, ansioso para que eu lhe descrevesse as visitas, fisicamente, como sempre fazia. Comecei pelo mais óbvio, dizendo-lhe que eram negras. “Como negras?” – perguntou, estupefato. “Por que não me disse isso antes? Que horror! Se soubesse disso, eu as teria escorraçado. Saia, fora daqui, você também”. Parece que as autoridades que escolhem o autor a receber o Nobel não levam em conta só a qualidade da obra do autor, mas o caráter, também. Helás!
                       
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Uma das mais belas viagens que fiz foi ao Chile. O roteiro era Santiago, Valparaiso, Porto Mont, Lagos chilenos, Bariloche. Mas, não é propriamente da viagem que vou falar agora, mas de remorso. É que lendo o livro de “A literatura na Poltrona”, de José Castello, ele descreve as três famosas casas de Pablo Neruda, das quais sabia da existência, mas não visitei nenhuma.

E uma dela está bem no centro de Santiago, no cerro San Cristóbal; a outra em Valparaiso e a terceira no balneário de El Quisco, chamada Isla Negra, embora não se trate de uma ilha. Invenção do poeta. A proximidade do mar. Cada uma delas tinha  nome. A de Santiago chamava-se La Chascona, que significa “descabelada” era uma homenagem a sua terceira mulher Matilde Urrutia, famosa por seus cabelos sempre revoltos; a de Valparaiso chamava-se La Sebastiana, em homenagem ao construtor da casa o espanhol Sebastián Callado. 

As casas estão plenas de histórias. La Sebastiana por exemplo “foi invadida, saqueada e parcialmente destruída por simpatizantes da ditadura e também por anticomunistas que não perdoavam os vínculos de Neruda com o Partido Comunista chileno”. Nos jardins da casa de Isla Negra estão enterrados os corpos de Neruda e sua terceira mulher, Matilde Urrutia, La Chascona. Isla Negra foi a primeira a ser construída e a que escolheu (?) para ser a sua última morada. Por isso, se fosse poeta, de remorso, poderia
 “escribir los versos mas tristes esta noche...






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